Por Everton Correia
Nos últimos anos, a indústria criativa, na qual a publicidade também está inserida, vem passando por uma transformação profunda. A ascensão das novas tecnologias e a democratização do acesso aos dados mudaram radicalmente a forma como as agências abordam o processo criativo e como as estratégias são vistas pelos clientes.
Embora a análise de dados tenha se tornado um pilar central na formulação das campanhas e ações publicitárias, precisamos refletir sobre o equilíbrio deles com a criatividade. Afinal, quem está na ponta são as pessoas e é com elas que devemos falar. Nesse sentido, os números nem sempre são suficientes: é preciso feeling e intuição com base na sua percepção do mercado e um olhar para as pessoas.
Hoje, os dados têm uma influência significativa no modo como os briefings são elaborados. As agências estão cada vez mais pautadas por métricas e insights do digital, o que os clientes mais procuram acreditando ser esse o caminho para uma compreensão mais profunda sobre o comportamento do consumidor. Só que, em contrapartida, essa abordagem pode levar a um “engessamento” do processo criativo, de certa forma. Ao buscar respostas exclusivamente pautadas em dados, como se eles fossem a única solução viável para as necessidades do consumidor, acabamos indo na direção que todos os publicitários estão correndo. A consequência disso é que o mercado se torna saturado e a singularidade da mensagem que procuramos transmitir se perde antes de chegar no público-alvo. Talvez seja por isso que está cada vez mais raro lembrarmos de publicidades marcantes, que se conectaram verdadeiramente com o consumidor.
Na OD Brasil, temos exemplos recentes de como fizemos para considerar aspectos além dos dados, utilizando-os como um parâmetro importante, mas sem que fossem o único fator determinante para as decisões da marca. Num case recente, os números estavam nos pautando para um caminho criativo que seguiria o que o segmento já estava fazendo: ações com influenciadores. Resolvemos, então, trazer um novo olhar, trabalhando com profissionais da área que endossam, com expertise, os produtos lançados. O objetivo era dar um tom para a campanha que se aproximasse dos consumidores reais. Fomos para um lugar diferente do que estavam fazendo, uma vez que era onde o consumidor estava, e deu muito certo. Ter ido contra a maré deu, inclusive, oportunidade para a marca de se posicionar como inovadora no mercado.
A era do Big Data trouxe palavras que muitas vezes são tratadas como mágicas nas agências, como “data strategy” e “analytics”. Embora esses conceitos sejam importantes, não podemos esquecer que, no final do dia, nos comunicamos com seres humanos, que são complexos e por vezes imprevisíveis. O consumidor de hoje, que recebe estímulos visuais o tempo todo, usa seu poder de compra dependendo de diversos fatores emocionais e situacionais. Em um mundo saturado de informações, as pessoas se conectam com o que é autêntico e real. O que realmente importa é essa conexão emocional que conseguimos estabelecer através da empatia. Não dá para encapsular isso em uma métrica ou mensurar em dados.
Acredito que os dados podem fornecer direções e uma visão mais clara dos caminhos potenciais, mas a criatividade e a intuição são o que realmente fazem a diferença, e deveriam continuar sendo os protagonistas no processo de criação. A questão é: estamos dispostos a correr os riscos? Porque é o que ideias inovadoras trazem.
E o digital traz essa “falsa segurança” que possibilita ter uma tomada de decisão mais assertiva, uma vez que os resultados são mensuráveis e previamente estabelecidos com base nos números. Somado a este fato, as agências foram perdendo sua relevância histórica, fomos nos esvaziando e ocupando cada vez mais a cadeira de fornecedor do que de parceiros estratégicos de negócio. Quando nós insistimos em estratégias que vão além do digital, eles podem se questionar: “Meu produto realmente precisa estar naquele lugar porque é a melhor opção ou porque a agência quer maximizar seu lucro?” Isso torna-se comum quando a relação com a agência não é estabelecida em pilares de respeito e confiança. É como se, em uma consulta médica, questionássemos o profissional da saúde sobre a sua conduta ou o medicamento receitado, sem ter a mínima ideia do que pode, ou não, ser adequado naquela situação.
Também temos que admitir os benefícios das tecnologias, que vieram para ficar. Precisamos começar a conversar com elas e não apesar delas. Não somos “nós” ou “eles”. Podemos ver como “nós” e “eles”. Dados e feeling têm muito mais chances de criar coisas interessantes do que se guiar totalmente em pesquisas ou se jogar no escuro, ignorando os dados.
A Inteligência Artificial é um belo exemplo dessa visão. O medo de que ela irá substituir os empregos me parece extremista. Ela deve ser utilizada a favor de nós, otimizando os processos repetitivos. Quantas noites já foram viradas realizando tarefas que a IA automatizou? Usar ferramentas como ela nos permite aumentar a concentração no que fazemos, nós humanos, de melhor: criar. E que é insubstituível.
Cerca de 80% – senão mais – dos custos das agências são com pessoas. Devemos valorizar os talentos humanos que fazem a mágica acontecer, adaptando as tecnologias para que elas melhorem o processo criativo e o bem-estar dos colaboradores. Com metodologias como essa, torna-se possível fomentar um ambiente de trabalho saudável e colaborativo, no qual as pessoas gostem de estar ali.
Por isso, a IA deve ser vista como uma aliada, não uma ameaça, e a agência tem um papel central na forma como seus colaboradores a enxergam. É hora de abraçar as novas tecnologias de forma que potencializem, e não limitem ou impeçam, o trabalho criativo. A sua combinação com os insights que só nós podemos ter pode guiar melhor as estratégias, criando um espaço para as ações se tornarem grandes sucessos.
Everton Correia é sócio e diretor de Negócios e Parcerias na OD Brasil