Conteúdos que estimulam a felicidade a todo momento e que afirmam que o pensamento positivo é a única opção aceitável têm gerado discussão entre especialistas e os próprios influenciadores digitais (creators). Atualmente, essa chamada “positividade tóxica” presente no ambiente virtual afeta não apenas os usuários como também o trabalho dos criadores de conteúdo, já que as marcas preferem, para a criação de campanhas, perfis que compartilhem mais sobre a realidade do cotidiano.
Em relação à vida fora dos stories, a influenciadora digital Maíra Azevedo, conhecida como Tia Má, busca produzir conteúdo genuíno e relata que falar sobre temas reais significa provocar para que as pessoas saiam
do lugar comum. “Sou muito criticada pela vestimenta e por aparecer sem maquiagem. As pessoas criticam porque se acostumaram com essa vida plastificada da internet, a suposta vida perfeita”, afirma.
“Nas redes decidi falar sobre mim de uma forma real”, explica a influenciadora digital. “Por trás dos stories existe uma vida real que a gente desconhece. Às vezes há a sensação de que sabemos tudo da vida da pessoa que está na internet, mas na verdade não se sabe quase nada, porque nas redes se mostra somente o que é de interesse dela”, completa.
A conversa com os nichos de interesse se tornou mais direta graças aos canais digitais e ao marketing de influência, já que a participação dos influenciadores nas campanhas gera confiança em um público já consolidado tornando o conteúdo mais direcionado e personalizado. Para Mariana Augusto, gerente sênior
de Comunicação Corporativa da Arcos Dorados, os influenciadores digitais são peças essenciais para realizar a
ponte da comunicação entre a marca e o público. Entretanto, para que essa conversa seja verdadeira, é necessário que o conteúdo compartilhado nos perfis também seja real, o que vai ao encontro do combate à positividade tóxica nas redes sociais.
“O McDonald’s trabalha com influenciadores há mais de dez anos e acreditamos que eles sejam importantíssimos
formadores de opinião quando buscamos gerar conversas genuínas com o nosso público e, mais que isso, conversas reais e verdadeiras. Para nós, é essencial que estejamos próximos de nossos clientes e os influenciadores são uma ferramenta que nos ajudam a contar nossas histórias de maneiras que fazem sentido para o brasileiro, levando em conta a realidade e o contexto no qual estamos inseridos e valorizando o bom humor e a leveza na comunicação”, afirma Augusto.
Desconstrução da positividade tóxica
Segundo Augusto, a busca pela desconstrução do excesso de positividade nas redes sociais começa na escolha do perfil do influenciador digital que será atrelado à marca. A preferência da sua companhia, por exemplo, é por criadores de conteúdo que costumam compartilhar mais da realidade em seus perfis.
“O McDonald’s é uma marca democrática, que conversa com muitas pessoas e está inserido em vários momentos, por isso, nos preocupamos muito com a escolha dos perfis que vamos trabalhar. Olhamos para influenciadores que tragam a pegada de vida real em seus conteúdos e sejam conhecidos por sua individualidade. Acreditamos que isso os aproxima de seus seguidores e, consequentemente, de nossos consumidores”, afirma a gerente da Arcos Dorados.
Segundo Thiago Massari, líder de Comunicação Integrada da Bayer no Brasil, não há espaço para a positividade tóxica no estágio atual do marketing de influência, já que o excesso desse conteúdo pode ser prejudicial aos usuários que estão passando por situações difíceis e, muitas vezes, se sentem invalidados, não ouvidos e distantes da realidade em que os influenciadores vivem. No cenário digital do presente, pessoas que possuem muitos seguidores nas redes sociais exercem papel de grande influência, a qual deveria ser utilizada para levar temas importantes ao debate.
“Nós fechamos diversas parcerias com influenciadores tendo essa preocupação de promover diálogos de temas importantes da atualidade. Para citar um exemplo, em 2021, lançamos o Prêmio Mentes da Inovação, que reconheceu seis projetos voltados ao desenvolvimento científico para áreas de saúde e agricultura e produzimos conteúdo em colaboração com influenciadores parceiros para debater sobre os desafios de investimentos em ciência e inovação no Brasil, com escuta ativa para entender as barreiras enfrentadas por acadêmicos, empreendedores e profissionais desses setores. Os pontos em comum dessas ações são que, para suas divulgações, procuramos relacionar o objetivo do projeto com o contexto em que vivemos, os desafios da sociedade e o público de interesse, para propor reflexões e entender o que a audiência sente”, explica Massari.
Para a criação de campanhas, a executiva da Arcos Dorados explica que a marca tem como preocupação selecionar o influenciador digital que consiga melhor transmitir a realidade em suas publicações juntamente aos valores da empresa. “Quando pensamos em uma ação, consideramos que a linguagem, o formato e o conteúdo produzido precisam equilibrar o cenário em que estamos vivendo, com a leveza e o bom humor, além de estarem alinhados com nossos valores. Somos uma marca divertida, mas entendemos que é preciso ter muito cuidado com as mensagens que escolhemos amplificar”, explica.
Massari afirma que os influenciadores que priorizam a positividade em excesso e que não compartilham dores e angústias pessoais ou coletivas dificilmente terão visibilidade de grandes marcas para participar de campanhas. “Na Bayer, buscamos influenciadores diversos e que estejam conectados com temas relevantes para a empresa e a sociedade como um todo. Para realizar parcerias de grandes projetos institucionais, buscamos pessoas que falem sobre acesso a tratamentos de saúde, responsabilidade social, desperdício de alimentos, saúde mental, planejamento familiar, desigualdades étnico-raciais e tantos outros assuntos em que são observados
pontos de atenção e melhoria. A ideia é produzir conteúdo de qualidade colaborativamente com influenciadores para apontar problemas e trazer soluções para a sociedade, entender os sentimentos e o envolvimento de cada um de nós, para juntos contribuirmos para um planeta mais harmonioso e sustentável”, conclui.
A vida fora dos stories importa
Segundo a escritora e psicóloga Christiane de Murville, a positividade tóxica é prejudicial a todos aqueles que utilizam a rede, sejam eles parte do público ou produtores de conteúdos. “Ela interfere na vida e no trabalho de todas as pessoas envolvidas em passar uma imagem que não é verdadeira, afetando igualmente seus seguidores. Tanto os usuários como os influenciadores podem acabar mergulhados nessa ilusão coletiva sustentada por todos que gostariam de fi car somente com a parcela da realidade que acham positiva. No entanto, dessa forma, se afastam da verdade, de uma visão mais ampla e clara da situação, do que realmente acontece, alimentando uma fantasia, uma criação mental, uma mentira que não corresponde de fato à realidade que se apresenta”, explica.
Cultivar o otimismo é importante, mas o que se observa nas redes é o comportamento de procurar olhar somente o positivo, forçando um estado otimista que não é espontâneo. Essa atitude faria com que a pessoa se esquive de emoções e situações que são consideradas negativas, o que, segundo a psicóloga, não é saudável.
“As informações que carregamos e nutrimos enquanto intenções, pensamentos e emoções, mesmo que latentes e inconscientes, afetam o mundo à nossa volta. O pensamento mobiliza as energias que temos ao nosso dispor, moldando a realidade que encontraremos logo adiante”, explica ela. “Portanto, enquanto varremos para debaixo do tapete tudo que nos incomoda e permanece mal resolvido, não sairemos do lugar, dando vida e energia àquela situação desagradável que tanto queremos evitar”, completa.