Mães dispensáveis

O voo dos filhos e a difícil tarefa de ressignificar o ninho materno

Muitas mães, que têm filhos prestes a completar 21 anos ou perto de iniciar seus voos solo, sabem muito bem o que estou sentindo neste momento. Passa um filme pela cabeça da gente. E algumas perguntas estão sempre rondando nossos pensamentos e angustiando nossos corações: será que eduquei bem? Será que “meu menino” (no meu caso) está preparado para enfrentar a chegada oficial da vida adulta? Que mensagem especial devo reforçar para ele nesta data tão marcante? E talvez a mais difícil de todas as questões, que muitas vezes resistimos em perguntar a nós mesmas, e aceitar: será que meu filho não precisa mais de mim? Por coincidência, dia desses, o comentário de um amigo (sobre Pedro) me fez enfrentar esse típico dilema materno e entender que começava agora uma nova fase na vida, como mãe.

Eu havia ligado para um colega, CEO especialista em inovação e temas emergentes, pedindo dicas para meu filho, que está desenvolvendo seu lado empreendedor e criando seu próprio negócio. Sugeri fazer essa ponte, e ele insistiu para que Pedro entrasse direto em contato, sem a necessidade de minha interferência. Fiquei ansiosa pois, como sempre, na minha intenção maternal e protetora, queria garantir que ele aproveitasse ao máximo essa conexão, fizesse todas as perguntas importantes e deixasse uma primeira boa impressão. Confesso que estranhei não ter participado daquele primeiro encontro. Para minha surpresa, depois da primeira troca de mensagens entre eles, meu colega enviou um áudio e, entre risos e gargalhadas, comentou com entusiasmo: “com uma desenvoltura dessas, você acha que seu filho ainda precisa da mamãe para ajudar?”

Não sei explicar direito minha primeira reação. Claro que foi um elogio rasgado ao Pedro, mas ao mesmo tempo eu estava sendo dispensada, sem a menor cerimônia! Era a realidade nua e crua batendo à porta, dizendo que o filho não dependia mais de mim para tudo. Parece bobagem, mas não é. É o papel de mãe colocado em xeque! Num tom mais dramático, admito, era como se eu estivesse perdendo o filho para o mundo e deixando de ser imprescindível na vida dele. Claro que doeu. Mas, aos poucos, fui permitindo que aquela mesma sensação esquisita fosse diminuindo, pois o comentário do meu colega me fez voltar no tempo e chegar à conclusão de que, na verdade, nós mesmas, ironicamente, preparamos nossos filhos, desde pequenos, para essa independência toda: quando os ensinamos a comer sozinhos, arrumar o quarto, ir para a escola… quando os incentivamos a estudar fora, começar a trabalhar, defender suas ideias, conquistar liberdade financeira e andar com as próprias pernas.

O que fazer, então, para enfrentar este momento de ruptura de forma leve e saudável, e até tornar esta relação mãe-filho mais prazerosa, já sem o peso do educar diário? Precisamos, sim, nos reinventar, praticar o desapego, abrir mão da autoridade em tudo, aprender mais com eles também (pois os papéis se invertem e se equilibram!); usar a tecnologia a nosso favor para aproximar, ter os filhos presentes e diminuir a saudade, ainda que de forma virtual; ocupar aquele ninho vazio com outros cuidados (começando por cuidar mais de nós mesmas). Aprender a deixar ir, a cortar o cordão umbilical e acreditar que tornar-se dispensável é, sim, uma grande vitória e uma bênção. Para mães e para filhos. Até porque sabemos que existem outras realidades e limitações em que esta independência nem sempre é possível.

De qualquer forma, esta não deixa de ser uma jornada dolorosa para nós quando, de repente, estamos diante de filhos crescidos e que agora nos fazem repensar e ressignificar o próprio papel de mãe. Só não nos peçam para parar de lembrar, a todo instante, tudo o que ensinamos aos nossos “eternos bebês”: desde insistir para levar o casaco ao sair, até reforçar os valores inegociáveis que guiarão suas decisões. Mas estaremos, sim, ainda que à distância, torcendo muito para que sejam felizes. E voem cada vez mais alto. E que saibamos dar motivos para que eles queiram voltar ao ninho, para perto de nós, não por dependência ou obrigação, mas pela vontade genuína da convivência e por sentirem que aqui existe um amor incondicional e verdadeiro, pronto para acolhê-los, sempre que quiserem. E da próxima vez que alguém nos disser que os filhos não precisam mais de nós, que consigamos sentir um alívio danado e uma admiração enorme por mais este voo, deles e nosso, e por termos cumprido o papel de mãe e nos tornado, enfim, orgulhosamente dispensáveis.

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