No ano da pandemia de Covid-19, o cenário de publicidade para empresas de comunicação se tornou ainda mais desafiador, com o aumento da incerteza para as companhias em busca de anúncios para suas marcas. Entretanto, nem tudo está perdido, como atestam Luis Fernando Bovo, diretor do Estadão Media Lab, e Thiago Araújo, head de Audiência, Marketing e Inteligência do Nexo. Eles participaram de uma conversa mediada pelo professor Edson Capoano, no 3º Fórum de Jornalismo Regional e Especializado, promovido pela plataforma Negócios da Comunicação.
“Eu acho que a publicidade não está perdida, mas tem sofrido uma mudança brutal, junto com o consumo de conteúdo”, explica Bovo. “E o que os veículos de comunicação tiveram de fazer é se adaptar para que a publicidade continue com a gente.” E isso tem dado certo para o Estadão: segundo o diretor, o Media Lab do jornal triplicou a participação na área de publicidade.
Em todo o mundo, os gastos com anúncios em mídias sociais aumentaram significativamente, como apontou uma pesquisa feita pela Socialbakers no final de 2020. As marcas do mundo todo gastaram 26% mais em publicidade em comparação ao final do primeiro trimestre, mesmo com o impacto econômico negativo causado pela pandemia.
Todos os setores analisados pela Socialbakers mostraram um aumento nos gastos com anúncios em um período de três meses, entre março e agosto. Apenas quando movimentos como #BlackoutTuesday e boicotes a anúncios nas redes aconteceram, os anúncios apresentaram queda. Porém, quando a publicidade era feita em vídeo, conseguiu manter bons números mesmo com a queda geral.
No começo da pandemia, em março de 2020, o conteúdo em vídeo registrou picos de interesse nas plataformas de mídia social. O Twitter, que contém mais de 20% dos tweets feitos por páginas de marcas, lidera com a maior porcentagem desse formato, comparado ao Facebook e Instagram. No caso do Instagram, os vídeos representaram 17,1% de todas as postagens das marcas, um aumento de 16,3% em relação ao segundo trimestre de 2019.
A rede social de Mark Zuckerberg registrou um aumento de 5,3% em relação ao mesmo período do ano passado, com os vídeos representando 18% do conteúdo. Além disso, o uso do Facebook Live aumentou 27% em comparação com o segundo trimestre de 2019 e 126% nos últimos quatro meses, tornando- se o formato com maior engajamento da plataforma.
Soluções para o jornalismo
O escritor, jornalista e professor universitário Edvaldo Pereira Lima também participou do Fórum e trouxe à tona a discussão sobre a necessidade de reinvenção dentro do jornalismo.
“Aquela visão mais unilateral que nós tínhamos, de que o jornalismo é centrado na transmissão de opinião, informação, investigação ou entretenimento é apenas um dos caminhos possíveis”, comenta Lima.
Ele pontua duas propostas de fazer jornalístico que começam a despontar no Brasil, mas já vêm sendo trabalhadas há algum tempo no exterior: o jornalismo de soluções e o jornalismo construtivo. De acordo com a Abraji, o jornalismo de soluções tem como fio condutor da reportagem uma solução. É uma cobertura que tem como objetivo trazer respostas a problemas sociais com base em evidências, como explica o Solutions Journalism Network.
Já o jornalismo construtivo se baseia em oferecer conteúdos positivos às pessoas, pois o excesso de negatividade, ao invés de mobilizar, pode levar ao afastamento dos problemas. “Quando você tem uma exposição do público a conteúdos majoritariamente negativos, você pode gerar comportamentos negativos nele. Sua perspectiva de mundo nesse cenário se reduz, ou seja, aquele propósito de ter muito conteúdo como forma de denúncia para estimular a mudança pela indignação pode sair pela culatra, porque ela pode afastar as pessoas”, conclui Lima.
Jornalismo cívico
Nina Weingrill, co-fundadora e coordenadora do programa de Jornalismo Local da Énois Laboratório de Jornalismo, conta que a intenção é tornar o jornalismo uma profissão mais diversa e inclusiva. A iniciativa nasceu no Capão Redondo, bairro da periferia de São Paulo, a partir de oficinas de comunicação oferecidas a jovens que frequentavam uma ONG.
“Na época, eu trabalhava na SuperInteressante, e eu andava pelas bancas do bairro e não encontrava essa revista, nem a Veja, nem outras que produziam jornalismo”, lembra Nina. Diante dessa percepção, ela se deu conta de que, se o jornalismo é tido como quarto poder, não estava sendo distribuído às pessoas. “Pensamos em abrir a caixa-preta do jornalismo, porque o leitor precisa conhecer o que há por trás do manto da aparente objetividade.”
Nessa toada nasceu o interesse de Nina em se debruçar sobre o jornalismo cívico, que entende o jornalista, antes de tudo, como cidadão pertencente a uma comunidade. “Isso vai muito ao encontro do jornalismo de soluções, porque aí existe um envolvimento negado ao jornalismo por conta da chamada objetividade”, explica.
“Como jornalista, eu preciso me engajar nesse processo de melhoria das coisas, sempre respeitando os propósitos do jornalismo, de checagem, de apuração.” Dessa forma, o Enóis já formou mais de 500 jovens da periferia em jornalismo. “Isso é para que a gente possa olhar novamente o papel desse jornalista na sociedade em que estamos inseridos”, complementa Nina.
O papel do impresso
Atentas aos movimentos e de olho nas diferentes fontes de renda, as revistas impressas segmentadas transcenderam seu caráter de impresso e se transformaram em marcas.
O objetivo não é bater de frente com o crescimento digital, mas sim agregá-lo à prática do jornalismo impresso e assim levar o veículo a um novo nível de atuação no mercado.
“A gente era veículo, hoje é um título, uma marca, e não só revistas. Na verdade, tanto a Trip, quanto a Pais e Filhos e as edições do grupo Condé Nast são impressas, mas têm uma marca digital forte”, explica Daniela Falcão, ex-diretora de redação nas Edições Globo Condé Nast.
“Mas manter o impresso como uma boutique não é para todo mundo, é para marcas que têm um carinho, uma comunidade. As pessoas têm que se identificar com ela. “Diante do aumento de jornais eletrônicos e demais meios digitais de jornalismo, o principal ativo com que lidam as marcas jornalísticas é sua credibilidade, até porque a concorrência com outros produtores de conteúdo se acirra a cada dia.
“Eu não acho que o jornalismo esteja com tudo”, frisa Daniela. “Eu acho que a gente tem uma produção de outros produtores de conteúdo, como os influencers, que falam diretamente com seu público. Eles são o seu próprio veículo. E muitas vezes eles podem ser tão ou mais relevantes que o veículo.”
Felipe Gil, diretor de conteúdo da Trip, defende a saída do impresso da zona de conforto. “A gente tem que ir fazendo, sentindo, aprendendo”, adverte Felipe Gil. “É identificar qual o momento da vida das pessoas em que você é relevante. E hoje o leitor também tem muito espaço para falar e a gente ouvir. O que não dá é para ficar se segurando numa onda que veio, tem que achar sua prancha e surfar.”
Como exemplo de impresso que se fortaleceu, tornou-se marca e hoje aproveita de forma eficiente o status social e a credibilidade construída, Daniela cita a revista The New Yorker. “A principal fonte de renda é a venda de memorabilia com cartoons, mouse pad, xicrinhas etc.”, diz. “O amor à marca vai nos levar a outras formas de monetização”, analisa.
Assinaturas e diversificação
Enquanto os veículos tradicionais ainda lutam para depender mais da valorização da marca e de assinaturas de seus clientes, e menos da publicidade, veículos 100% nativos digitais como o Nexo nasceram apostando já neste formato. “Desde o início, o modelo do Nexo foi sempre de se manter por assinaturas. Nunca fizemos publicidade”, explica Thiago Araújo. “Já a revista Gama, que a gente lançou durante a pandemia, trabalha com publicidade, e a gente percebeu uma receptividade muito boa do projeto que a gente lançou.”
Diversificar é a palavra de ordem para a produção de conteúdo de publicidade relevante, como apontam ambos. “Você não vai conseguir se sustentar numa única linha de receitas, precisa repensar a operação e olhar com uma lupa para descobrir novas formas de receita”, comenta Bovo. “É um pouco inspirado nas big techs: testa, testa, testa, o que deu certo continua; o que não deu, você recolhe o time e foca em outra coisa. É um caminho sem volta.”
O Estadão tem apostado em diversas frentes: eventos digitais e lives, branded content, além de venda de conteúdo para outros veículos de comunicação, projetos personalizados. Assim como o Nexo, cuja linha de consultorias, cursos e licenciamento de conteúdo também representa importante fonte de receitas.
Um estudo divulgado em fevereiro, feito em parceria do Instituto Reuters e a Universidade de Oxford, apontou algumas das principais tendências para 2021, no jornalismo e na publicidade. O relatório afirma que, apesar do panorama econômico, a confiança em empresas individuais permanece forte (73%), enquanto a confiança no jornalismo de forma mais ampla aumentou de 46% para 53%, em comparação com a pesquisa do ano passado.
“A Covid-19 deu um grande impulso a essa tendência, com o especialista em assinaturas Zuora relatando que a publicação de mídia foi o segundo segmento de crescimento mais rápido – depois de serviços de streaming de vídeo como Disney +, Netflix e Amazon Prime”, aponta o relatório. De acordo com Zuora, a média de assinaturas de notícias foi cerca de 110% maior do que no ano anterior, na comparação dos meses de março a maio de 2020.
Há sinais de que, no Brasil, os leitores estão mais abertos à adesão de assinaturas de jornalismo. Porém, o país ainda fica atrás de outras nações, como Reino Unido e Estados Unidos – um exemplo é o The New York Times, que adicionou mais de um milhão de assinantes digitais em 2020.
Inovação
Também é papel dos veículos oferecerem uma espécie de consultoria aos seus clientes, com as soluções mais alinhadas com as mudanças observadas pelo público. Por isso, é importante que “do lado de lá” do balcão, as empresas sejam sensíveis e entendam que muitas vezes não basta replicar um case visto no exterior.
“E elas têm procurado cada vez mais os veículos, porque o jornalismo está cada vez mais vivo. Esse papel é importantíssimo”, detalha Bovo. “O jornalismo está vivendo um momento excelente, nunca esteve tão relevante”, afirma.
O futuro exige pesquisa e investimento. “A gente não sabe o que vai acontecer nesse mercado agora no ano de 2021. Mas a experiência de casa, familiar, cada vez mais personalizada, vai mudar o jeito que as pessoas consomem”, comenta Araújo. “E os empresários precisam entender que jornalismo precisa de dinheiro, de investimento. Não serão as grandes empresas de tecnologia que farão as investigações dos podres por aí”, aponta.