Por Diego Moura
Muita gente redescobriu – ou consolidou de vez – o prazer da leitura durante os longos meses de isolamento social trazidos pela pandemia de Covid-19 ao longo de 2020. E, apesar das perdas econômicas generalizadas causadas pelo novo coronavírus, o ano do setor – cuja crise das duas maiores redes de livrarias do Brasil, Saraiva e Cultura, ainda se arrasta – conseguiu fechar com leve aumento, de 0,47%, no número de exemplares vendidos em relação a 2019, de acordo com o Painel do Varejo de Livros no Brasil, apurado pela Nielsen e pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL).
E a principal entidade do setor livreiro não escapou das mudanças provocadas pela pandemia. A Câmara Brasileira do Livro teve de se movimentar para transformar dois eventos carros-chefe – Prêmio Jabuti e Bienal Internacional do Livro de São Paulo – em eventos digitais e ainda lidar com uma megacampanha contra a tributação de livros defendida pelo governo de Jair Bolsonaro por meio da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
Mas como carregar essas e outras tantas tarefas e comunicá-las de forma satisfatória de uma ponta a outra, do público de leitores e também aos associados? Em entrevista ao Portal da Comunicação, o vice-presidente de Comunicação da CBL, Luciano Monteiro, detalha os caminhos adotados pela entidade ao longo de 2020 e também o que se pretende realizar para o ano que se inicia. “Acho que no atendimento ao público, tanto o leitor quanto o nosso público específico, o associado, o saldo foi bastante positivo dentro do contexto”, avalia. Confira, a seguir, trechos da entrevista.
Portal da Comunicação – Como foi para a CBL se comunicar durante a pandemia?
Luciano Monteiro – Como todo mundo, a gente teve de fazer uma adaptação muito rápida. E acho que fomos bem-sucedidos dentro do possível. A CBL já estava fazendo há muito tempo uma aposta em canais digitais: todos os nossos serviços já são oferecidos dentro de uma plataforma, então do ponto de vista do atendimento ao nosso público interno – editor, associado etc. – foi algo bem resolvido. Isso já é um mecanismo comum. No ano passado, nós também estávamos começando uma série de serviços novos, como a emissão de ISBN no Brasil, que tinha acabado de migrar da Biblioteca Nacional para a CBL. E isso já nascia online, totalmente digital, e funcionou bem. Então, em termos de prestação de serviços, a adequação ocorreu de forma bastante tranquila.
PC – Isso para os associados. E para o público em geral?
LM – Para o público geral apareceram os impactos maiores, porque algumas coisas que a CBL tradicionalmente executa eram eminentemente presenciais e tiveram que ser transformadas. No final, tivemos muito sucesso, mas foi onde demandou mais esforço. O exemplo mais vistoso é a Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que estava programada para 2020. Ela foi postergada e, depois, transformada numa bienal virtual. No fim, teve muito sucesso e é uma plataforma que ainda está no ar. E o outro, programado tradicionalmente presencial, é o Prêmio Jabuti. É um prêmio com uma história enorme e, no ano passado, a gente fez uma cerimônia de premiação transmitida por internet. No final, teve um engajamento de público muito bom, também porque estava mais acessível a um número maior de pessoas, já que não havia necessidade de se deslocar para São Paulo. Apesar disso, é diferente de uma Bienal, em que a gente já lida com um número expressivo de público – por edição são cerca de 600 mil visitantes presenciais – e exige um esforço de comunicação à altura, uma verdadeira comunicação de guerra. Até dezembro, foram 1,4 milhão de visualizações na plataforma desta edição. No final das contas, neste ano absurdamente atípico que a gente teve, o livro teve um papel essencial de entretenimento, de auto aprendizado e para a própria saúde mental das pessoas.
PC – Agora, se detendo um pouco sobre os dois eventos, Prêmio Jabuti e Bienal. Como se deu todo esse esforço de transformar eventos presenciais tão grandes e consagrados em versões digitais?
LM – A Bienal talvez seja o mais sensível e também o mais complexo para isso, porque ela demanda um trabalho que começa assim que acaba a edição anterior. Então você tem contrato de locação de espaços, porque o mercado de feiras e eventos em São Paulo é muito concorrido, a parte de organização mesmo, de renegociar e ter flexibilidade. Isso numa ponta. Na outra, está o expositor, com quem você precisa conversar para saber o que de fato funciona melhor para ele. É uma construção conjunta. E sempre com o objetivo de levar um ótimo evento ao público, até porque a Bienal é tradição em São Paulo – junto com o carnaval é o maior evento cultural da cidade. O caso do Jabuti foi um pouco menos complexo, porque o prêmio já tem uma estrutura de organização muito mais leve do que a da Bienal. Nós tivemos a Maju Coutinho como mestre de cerimônias, uma pessoa de TV, então tem uma pegada super bacana. E houve também uma cobertura muito intensa – foram mais de 500 matérias na imprensa. Além disso, claro, o alcance de público da cerimônia, que foi totalmente inédito.
130 mil pessoas engajadas na cerimônia do Prêmio Jabuti nas redes sociais
20 mil assistindo simultaneamente no YouTube
1,4 milhão de visualizações na plataforma da Bienal até dezembro.
PC – Que outras ações você destacaria em 2020?
LM – Teve algo que aconteceu que não estava no roteiro, um susto no segundo semestre, que foi a mobilização do setor em se engajar quando surgiu a proposta da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), da tributação sobre o livro. Aí eu acho que foi um momento chave na nossa comunicação do ano de 2020 e deve ser em 2021, pelo cenário que a gente tem de macroeconomia. A sociedade inteira reagiu de forma muito forte e contundente contra a proposta de tributação do livro, e a CBL com mais algumas entidades do ecossistema do livro tiveram bastante à frente desse processo, com publicação de manifesto, de estudos. Houve um engajamento popular sem precedente, teve uma plataforma que coletou assinaturas num abaixo-assinado a favor da isenção tributária – e que cresceu junto com a hashtag “defenda o livro” – e chegou a um milhão e cem mil assinaturas de pessoas apoiando essa causa. E isso demandou, do ponto de vista da comunicação, que a gente ampliasse o espectro de ações que a gente fez: organizar várias entidades setoriais, depois publicar um manifesto nos grandes jornais – que foi levado ao Congresso, a especialistas, a influenciadores – também demandou que a gente tivesse uma exposição de imprensa muito grande – mais de 2 mil matérias -, com um trabalho muito intenso do mundo “assessoria de comunicação” e também esse comportamento dentro das redes sociais, que extrapolava o nosso controle.
PC – E 2020 terminou, mas 2021 começa sem perspectivas muito claras do que vai efetivamente acontecer por conta da pandemia. Quais os planos da CBL para esse ano?
LM – Acho que a tendência é que essa arquitetura que foi sendo desenvolvida a fórceps durante 2020 seja mantida para 2021. No meio disso tudo, a gente também foi descobrindo coisas que podem ter vindo para ficar. Essa cultura dos eventos digitais veio para ficar, embora as pessoas estejam um pouco cansadas do excesso de lives. A gente vai ter uma presença mais forte nisso. Até porque a abrangência de público é maior. Por mais que você faça força para sair dos eventos do eixo Rio-SP, dentro das outras praças não chega com o mesmo alcance de um evento digital. O evento digital ajuda a democratizar, a resolver um pouco disso. Mesmo quando o presencial voltar, a gente não vai descartar os eventos digitais. Outro ponto, pelo que a gente tem sentido, é em relação à temperatura política, sobre a CBS, que está voltando para a pauta do Congresso. Em termos de comunicação, vai continuar demandando de entidades como a CBL um esforço ainda muito grande para que a gente mostre quais são de fato os efeitos da cobrança para o livro e para os indicadores de leitura, como fica a vida do leitor com essas transformações e tentar sensibilizar esse mundo político sobre essas demandas que a gente tem demonstrado.