“Se precisasse escolher entre termos um governo, mas sem jornais, ou não termos governo, mas com jornais, eu não hesitaria em escolher o segundo”, escreveu Thomas Jefferson, em 1787, às vésperas do estopim da Revolução Francesa (1789-1799), sobre a importância da população gozar de uma imprensa livre, que levaria informação clara e correta a todos.
A preocupação com a imprensa livre, imparcial e fortalecida existe até hoje nos Estados Unidos e em – quase – todo o mundo. Dados da pesquisa World Press Trends, lançada em outubro de 2019 pela WAN-IFRA, a Associação Mundial de Jornais, apontam que, apesar do crescimento de consumo de conteúdo digital, a mídia impressa ainda domina o mercado, representando 85% da receita mundial (queda de 4% em comparação com o ano passado).
A pesquisa está disponível para download no site da WAN-IFRA e foi analisada pelo Nieman Journalism Lab, organização criada para avaliar pesquisas, estudos e ações sobre o futuro do jornalismo na era da internet. No Brasil, as redações enfrentam problemas de sucateamento e falta de investimento em publicidade, o que prejudica diretamente o resultado do que é produzido e, inclusive, colabora para a proliferação de fake news.
Por isso, empresas têm valorizado a credibilidade ao investir em comunicação com a imprensa, eventos, publicidade e branded content. Como é o caso da Gerdau. Sua área de comunicação precisou gerir uma crise por conta de informações falsas. Foi divulgado que uma comunidade sofreria com problemas estruturais e de abastecimento por conta da operação de uma das dez unidades do grupo espalhadas pelo interior do Brasil.
“Não era verdade e, para esclarecer à população, encomendamos um estudo”, diz Pedro Torres, head de comunicação da empresa. Para solidificar a mensagem de combate à fake news divulgada, a equipe de comunicação contou com veículos da imprensa para entregar a mensagem aos moradores.
“Isso mostra a importância de fortalecermos bons veículos, para que continuem fazendo jornalismo de qualidade, que leva informação correta e, ainda, possibilita um melhor ambiente para os negócios, com mais transparência”, conta.
O caso é apenas um exemplo de como o mundo corporativo se relaciona com a imprensa. O jornalismo de qualidade, independente e atuante, por sua vez, tem nas grandes empresas um pilar importante para o financiamento da prática, seja pelo investimento em publicidade ou por medidas comerciais e de formação do mercado.
Um estudo publicado no primeiro semestre de 2019 pela News Media Alliance (NMA) traz um cenário que reforça a percepção da confiança na publicidade nos veículos. Intitulada The News Advertising Panorama, a pesquisa reuniu mais de dois mil veículos em diversos países e revelou que 82% dos consumidores de mídia “confiam em anúncios impressos em jornais e revistas mais do que em qualquer outra fonte”. Além deste número, outros índices favoráveis à publicidade nesses espaços mostram que 66% dos leitores leem ou olham os anúncios “sempre” ou “regularmente”.
Cenário desfavorável
“Pressionadas pelas vendas e para atingirem mais rapidamente seus consumidores, as marcas saíram de um cenário de anúncios em mídias tradicionais para o universo digital, esquecendo por completo o papel de independência e de relevância da imprensa”, afirma Angélica Consiglio, CEO da Planin.
“Com isso, o Brasil entrou em um ciclo ruim, pois, sem verba, não existe a possibilidade de se ter um bom jornalismo”, salienta. Angélica ainda alerta que na comparação com nações mais avançadas do mundo, o Brasil está em pior posição no ranking, no que se refere à imprensa – tendo até países vizinhos como Argentina, Chile, Colômbia e Peru com mídias nacionais com maior tiragem do que as nossas. “Com a falta de investimentos, a imprensa brasileira irá seguir para um caminho sem volta, no qual todos perdem”, observa.
Na visão da especialista, os próximos passos dessa relação estão nos meios digitais. “Hoje, as empresas brasileiras ainda estão fazendo adaptações de processos off-line. Usam pouco os benefícios da tecnologia e ainda não estão certas se uma publicidade exibida em meios digitais realmente influencia consumidores no momento da compra ou na sua decisão no futuro”, afirma. Para ela, a transformação digital ainda não é prioridade para os diretores de marketing e CEOs. Mas decreta que a jornada digital veio para ficar.
Para Patrícia Ávila, que assumiu a posição de diretora geral no Brasil da JeffreyGroup em novembro, as agências de PR têm, sim, participação nessa relação entre as marcas e a manutenção dos veículos.
“Têm um papel em pensar e propor novos formatos, reaprender e reeducar os clientes, zelar pela qualidade da informação”, ressalta. No mês de setembro, a JeffreyGroup desenvolveu e lançou a Agência Einstein, para o Hospital Israelita Albert Einstein, que produz e disponibiliza gratuitamente conteúdos jornalísticos relevantes e confiáveis sobre ciência, saúde e bem-estar, validados por especialistas do hospital.
“A iniciativa é inédita no Brasil e busca democratizar o acesso à informação científica e médica por meio de uma linguagem simples, sobretudo em regiões distantes dos grandes centros”, explica. Em poucos meses de vida, o projeto já mostra uma variedade de adesões, que vão desde sites regionais até os grandes jornais diários de alcance nacional.
Juliano Nóbrega, que assumiu em dezembro a presidência da CDN, também compartilha a opinião. “Cabe às agências de PR demonstrar às empresas a importância do jornalismo profissional — e o respeito, de ambos os lados, aos procedimentos jornalísticos — para a reputação da marca e a interlocução com seus públicos de interesse, inclusive o consumidor”, observa.
Para o presidente, há ainda a possibilidade de fazer a ponte entre esses clientes e os veículos. “Seja para garantir o devido atendimento a demandas jornalísticas, combatendo a desinformação, seja na defesa de investimentos para a veiculação de conteúdos relevantes que se encaixem em suas estratégias de comunicação”, diz.
Inovação
No movimento de novos modelos de negócio, algumas marcas têm ido além da publicidade na hora de promover a sustentabilidade da produção de conteúdo jornalístico. A exemplo do que ocorre no exterior, por aqui plataformas que cobrem o setor financeiro têm contado com a gestão de bancos e corretoras de investimentos, como o C6 Bank e o Seis Minutos; a Creditas e a Exponencial; a XP Investimentos e a InfoMoney; e agora também, o BTG Pactual que adquiriu recentemente a Exame, do Grupo Abril.
No caso desse último exemplo, a compra se deu em leilão realizado no mês de dezembro e, conforme informou a assessoria de imprensa do BTG Pactual, a aquisição da Unidade Produtiva Individual Exame, no momento, aguarda a aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para a conclusão da operação.
Outro exemplo é a ação da 99, renomada plataforma de transporte, criada em 2012 e recentemente comprada pela chinesa DiDi, maior do mundo em transporte pelo celular. O resultado desse crescimento, na prática, são 18 milhões de brasileiros sendo transportados pelos 600 mil motoristas da 99.
A empresa criou o Prêmio 99 de Jornalismo, com o objetivo de impulsionar o interesse em questões de mobilidade urbana, além de propor um debate, levar ao público pelas reportagens sobre o assunto. Pedro Henrique Oliveira, gerente de Comunicação da 99, conta que a edição de 2019 premiou reportagens com o tema “O futuro do espaço urbano – o desafio e as possibilidades das cidades brasileiras”.
“O prêmio está na segunda edição e tem o objetivo de incentivar esse profissional que está correndo atrás da pauta, permitindo novos olhares sobre o assunto”, explica. A reportagem “Os donos da rua” de Artur Rodrigues e Fabrício Leonel, publicada na Folha de S. Paulo, foi a vencedora da edição, recebendo um prêmio de R$ 10 mil. Além dos profissionais, a empresa também trouxe uma nova proposta em 2019, com o Lab 99+Nexo de Jornalismo Digital.
Trinta estudantes foram selecionados para uma oficina no Nexo Jornal, produziram conteúdos, que também receberam prêmio em dinheiro. Para Oliveira, a forma disruptiva como a empresa conduz suas atividades também pode ser um espelho para a gestão dos negócios na comunicação.
“A inovação tem papel fundamental na alavancada desse jornalismo”, reforça. “Cada vez mais os grandes veículos estão voltados a práticas inovadoras, como analisar dados e utilizar as novas plataformas e tecnologias, como podcasts, etc.”, afirma.
No campo de iniciativas, como fóruns e eventos voltados ao desenvolvimento e fortalecimento do mercado do jornalismo, as marcas assumem papel fundamental tanto como apoiadoras como realizadoras das propostas.
O Itaú Unibanco mantém um extenso calendário de apoio e patrocínio a iniciativas dessa natureza. “Historicamente, o grupo tem um relacionamento bastante rico e profissional com os veículos de imprensa e com entidades representativas do jornalismo, seja na esfera editorial ou na comercial”, garante o superintendente de Comunicação Corporativa e Relações Governamentais, Leandro Modé.
Em uma época de consumo fragmentado de informação, o executivo diz que o banco vem ampliando investimentos em patrocínios e outros formatos de parceria. Para Modé, trata-se de uma dinâmica onde todos ganham: “A imprensa, que tem um modelo de negócios sustentado em boa parte pela publicidade; os anunciantes, que podem contar com canais independentes e de credibilidade para a comunicação com seus públicos de interesse; e a sociedade, que tem acesso a informação de qualidade”.
Dentre os investimentos em apoio ao jornalismo realizados em 2019, estão o patrocínio do programa Focas Estadão, o site Por Minha Conta, e eventos como o Congresso Abraji de jornalismo investigativo, com estande de palestras gratuitas; o RP Week; o Podcast Week e o Seminário Mídia Jor.
A Gerdau também apoia prêmios de reconhecimento da profissão em órgãos como a Aberje e outros. “Para 2020, vamos lançar um concurso universitário para jornalismo, que está com as definições e temas em andamento”, informa o head de Comunicação, Pedro Torres.
Já a Pfizer mantém uma série de ações para facilitar as informações sobre saúde para esses canais, como encontros de relacionamento entre jornalistas especializados, executivos e médicos.“Também temos organizado workshops periódicos para a discussão de temas atuais com o jornalista, contribuindo para ampliar seus conhecimentos e auxiliá-lo em novas abordagens dentro da área da saúde”, ressalta a gerente sênior de Comunicação, Cristiane Santos.
Em 2016, por exemplo, um grupo de jornalistas teve a oportunidade de vivenciar, nas instalações do hospital A.C. Camargo Câncer Center, uma experiência mostrando todo o processo envolvido no diagnóstico de um tumor, da sala cirúrgica à lâmina do laboratório. A companhia promove ainda press-trips diferenciadas.
“Foi o que ocorreu em 2017 durante a Expedição PAF, viagem que envolveu sete jornalistas brasileiras que percorreram cerca de 300 quilômetros em Portugal para entender como uma doença rara migrou do pequeno município de Póvoa do Varzim, próximo à cidade do Porto, para o Brasil”, explica. Nesse tipo de iniciativas, a Pfizer e a Sociedade Brasileira de Reumatologia realizaram o 4º Prêmio SBR/Pfizer de Jornalismo – Doenças Reumáticas, com 70 trabalhos inscritos de todas as regiões do Brasil.
No caso da Accor, a estratégia veio na forma de apoio ao Fórum Panrotas, que contou com a presença de um dos executivos da empresa nos painéis de discussão. Além disso, também houve investimento em publicidade na mídia impressa ligada ao evento. “Não paramos de apostar no jornalismo tradicional, por isso em 2019 também fechamos parcerias com veículos de imprensa, principalmente do trade especializado em turismo”, afirma a vice-presidente de Comunicação, Relações Institucionais e Responsabilidade Social Accor América do Sul, Antonietta Varlese.
Outra parceria marcante, no último ano, foi com o Grupo Padrão, responsável pela revista
Consumidor Moderno. “Fizemos um trabalho amarrado de produção de conteúdo alinhado a assuntos estratégicos para Accor. Os resultados foram pingue-pongue com Patrick Mendes, CEO Accor América do Sul”, diz Antonietta.
No lançamento do modelo Nissan LEAF, em julho, a montadora procurou diversos canais para trabalhar temas tanto sobre o veículo em si quanto o universo de carros elétricos. “Cada veículo usou sua linguagem e abordou os temas que são mais próximos de seus públicos”, explica Rogério Louro, gerente de Comunicação Corporativa. “Dessa forma, a marca divulgou o LEAF, mas também ajudou a explicar e disseminar essa cultura, que é uma realidade em muitos países, mas ainda pouco conhecida no Brasil”, complementa.
Na visão de Louro, além do combate às fake news, a atividade é fundamental para trabalhar com pilares como qualidade, responsabilidade e transparência. “O bom jornalismo é fundamental para dar à sociedade informações verdadeiras e garantir que as pessoas tenham base para tomar as suas decisões e formular suas opiniões”, cita.
Laços
Em 2019, a Klabin completou 120 anos com o desafio de renovar seu posicionamento institucional, como uma empresa centenária que se adequou à evolução da comunicação. “Transformar o futuro é a nossa matéria-prima”, foi o conceito criado pela equipe de comunicação da empresa.
“O conceito foi traduzido em uma campanha institucional com anúncios veiculados em mídias on e offline de alguns dos principais jornais, revistas, rádios e portais do país”, explica Carime Kanbour, gerente de Comunicação, Marca e Relações Institucionais da Klabin.
Outro exemplo relevante, segundo a executiva, foi o Inova Klabin, evento realizado no ano passado que discutiu a inovação com propósito em um encontro que durou dois dias. “O resultado foi excelente, com um retorno estimado em cerca de R$ 1,5 bilhão e um alcance de mais de 24 milhões de pessoas, considerando todas as mídias”, cita.
Simone Maia, gestora de Comunicação da MRV, conta que a marca dos 40 anos da empresa motivou a criação do novo posicionamento da marca. “O processo começou com um estudo, que analisou a transformação da empresa ao longo dos anos para incorporar ao novo posicionamento a visão de quem está no dia a dia da empresa”, explica.
Para comunicar essa nova etapa, a empresa contou com diversos veículos. “Quando apoiamos diferentes parceiros estamos contribuindo para a construção de um mercado mais qualificado tecnicamente e mais preparado para os desafios que irão surgir – é ainda uma forma de ajudar na manutenção e longevidade os veículos de comunicação”, comenta. Foram ações on e offline que envolveram toda a cadeia de valor do setor de comunicação.
Parceria de valor
Recentemente, a Rhodia tem investido em iniciativas de branded content. Para Odete Duarte, diretora de Comunicação do Grupo Solvay na América Latina, há uma troca de benefícios nessas ações. “O público quer saber, por exemplo, o que a Rhodia faz e como contribui para melhorar a sua qualidade de vida, ao mesmo tempo que a empresa tem a oportunidade de transmitir à sociedade as mensagens corretas sobre suas atividades empresariais”, diz.
Na visão da diretora de Comunicação Corporativa do McDonald’s Brasil, Rozália Del Gáudio, o que norteia esse tipo de ação é o ato de entender quais são as histórias e formatos que mobilizam as pessoas. “Por exemplo, um branded content em formato de quizz pode ajudar mais o leitor a fixar uma informação do que um texto corrido com aspas de especialistas dos quais nunca ouviu falar”, explica.
Para um leitor especializado, pontua a executiva, reportagens mais aprofundadas são um bom caminho. “O que devemos ter em mente são características como objetividade, verdade e clareza em tudo que se faz”, diz.
Para o Grupo Petrópolis, a aproximação e relacionamento com a imprensa e formadores de opinião tem papel importante no entendimento de tendências e discussões. “Temos como uma de nossas premissas atender bem e estar cada vez mais próximos da imprensa, pois nessa relação todos saem ganhando”, enumera Emerson Neves, gerente de Comunicação Corporativa do Grupo Petrópolis.
O executivo elenca, além do patrocínio a um extenso calendário de eventos e fóruns de jornalismo, a forte presença no mercado publicitário. “O grupo está presente por meio de publicidade em diversos jornais e revistas do Brasil. Tanto a marca corporativa, com campanha institucional, como suas marcas de cerveja e energético, estampam os principais meios de comunicação”, ressalta Neves.
Desde 2017, a Syngenta também aposta em branded content, em especial com a RBS, grupo de mídia do Rio Grande do Sul. O objetivo é o de desmistificar o segmento da agricultura ao público urbano. “Ao passo em que o estado é estratégico no que toca à evolução de nossa reputação, construída e mantida com base em transparência e abertura para o diálogo, entendemos como rico o trabalho que temos desenvolvido em parceria com o grupo”, ressalta Fabiana Trebilcock, gerente de Comunicação.
“Estamos sempre dispostos a avaliar novas propostas que possam intensificar nossa estratégia de comunicação”, reforça. No momento em que a mídia tradicional passa pelo que Fabiana chama de “reorganização”, existe uma demanda por novas possibilidades. “Essas que são, sem dúvida, benéficas para ambos os lados, empresas e sociedade, uma vez que são viabilizadoras da ampliação do diálogo”, afirma.
Diante da transformação da comunicação, a necessidade da manutenção do jornalismo, sua relação com as empresas e a garantia de uma imprensa livre, transparente e independente, o pensamento de Thomas Jefferson se torna atemporal.