Vozes em equilíbrio

Em um vídeo tutorial, a blogueira Bianca Andrade ensina o passo a passo da maquiagem de uma famosa família de socialites de um reality show norte-americano. Intitulado “Preparação de pele das Kardashians”, tem mais de 607 mil visualizações e mostra a dona do canal Boca Rosa utilizando diversos produtos de beleza, como a “Sombra Cinnabar” e a “Base TimeWise Beige 4”, da marca Mary Kay.
Essa prática, recorrente entre youtubers, contribui para que as marcas passem a incluir, definitivamente, os influenciadores digitais em estratégias de divulgação — lado a lado com os jornalistas. “Observamos que alguns produtores de conteúdo pensam ‘jornalisticamente’ em suas pautas”, comenta a gerente de comunicação corporativa da Mary Kay, Fernanda Campioni.
Além dos veículos de imprensa, a comunicação da marca abrange blogueiros, youtubers e instagramers. É pouco provável que haja, ainda, um profissional de comunicação que coloque em xeque a relevância dos produtores de conteúdo digital. Se antes os blogueiros eram tratados com indiferença em comparação à mídia tradicional, nos dias de hoje, esses profissionais recebem atenção e material relevante, atualizado e, muitas vezes, exclusivo.

Os influenciadores digitais desempenham papel importante na vida das pessoas e suas opiniões, muitas vezes, têm credibilidade suficiente para a tomada de decisão de uma compra

“Entendemos que eles desempenham papel importante na vida das pessoas e suas opiniões, muitas vezes, têm credibilidade suficiente para a tomada de decisão de uma compra, por exemplo”, afirma Brian Drummond, gerente de marketing da Mahogany, que vê nos influenciadores uma estratégia comercial de peso. Ele aponta que em certos lançamentos, principalmente com foco no público jovem, há um trabalho específico — e em primeira mão — para estes produtores de conteúdo.
“Dependendo do caso, fazemos em locais descolados, com linguagem diferenciada da habitual. Percebemos que muitos influenciadores ‘mergulham’ no lançamento e tentam passar o máximo de suas impressões sobre preço, visual e resultado”, conta Drummond.

Comercial ou notícia

Basta conversar com um executivo de comunicação do setor de cosméticos e beleza para entender que há uma diferença em como as análises dos influenciadores impactam a imagem dos produtos e isso se insere nas estratégias de comunicação. “A frente digital é fundamental nos processos de comunicação das grandes empresas. Temos uma relação com o mundo das blogueiras que reflete bem um lançamento: elas fazem recomendações e endossam o produto em alguns pontos nos quais outros canais não têm tempo ou grade para fazer”, explica Marcelo Behar, diretor de assuntos corporativos da Natura.
No caso da marca, por exemplo, há uma distinção no atendimento: o departamento de comunicação fornece informações, detalhamentos dos produtos e amostras para testes para a mídia e influenciadores dedicados à cobertura do tema. No entanto, quando o assunto é exclusividade nos canais, entra em jogo outra abordagem. No caso dos patrocínios, Behar explica que a informação de apoio da Natura é sempre clara. Como na parceria com Camila Coelho (mais de 2,8 milhões de inscritos em seu canal), que participa da nova fase do Movimento Adoro Maquiagem e traz dicas exclusivas e tutoriais usando as linhas UNA, Faces e Aquarela da marca.

Diferenças

Behar sinaliza que a equipe que atende tanto a imprensa quanto os blogueiros e youtubers é a mesma. “Temos um olhar para um profissional ‘anfíbio’, que costuma entender esses dois mundos”, diz. Durante lançamentos, a empresa faz duas rodadas diferenciadas: em forma de coletiva, para a mídia tradicional, e de maneira mais informal, com testes de produtos, para que os influenciadores registrem suas impressões.
Até a entrega de produtos para testes e divulgação é motivo de análise no atendimento desses públicos. “Sabemos que é importante para um digital influencer poder experimentar o produto, já com o veículo tradicional temos de ser mais cuidadosos, ou ele pode achar que estamos oferecendo um brinde”, ressalta o diretor de marketing da Ferracini 24H, Marcos Araújo, que também faz uma ressalva: há casos em que o jornalista especializado também solicita o produto para uma pauta específica.
“Esse relacionamento é parte importante na comunicação atual da empresa, visto que o consumidor hoje está na internet e, principalmente, nas redes sociais, curtindo, produzindo e compartilhando informações”, explica Araújo. Carolina Pires, diretora comercial e de marketing da Lupo, aponta que as plataformas novas e tradicionais de comunicação recebem o mesmo tratamento no que compete às experiências com o produto. “Não fazemos essa distinção: o rigor e o cuidado com a comunicação são os mesmos para ambos. Afinal, tanto o jornalista quanto o influenciador podem causar grande repercussão, positiva ou negativa”, diz.

Tanto o jornalista quanto o influenciador podem causar grande repercussão, positiva ou negativa

Julio Gama, diretor de comunicação corporativa da Telefônica Brasil, explica que o trabalho de comunicação na Vivo com os meios tradicionais privilegia entrevistas, muitas vezes exclusivas, com pesquisas inéditas e novos produtos; e em conversas sobre tendências da tecnologia. No caso dos influenciadores digitais, a abordagem privilegia o funcionamento dos serviços, detalhes da operação, questões mais técnicas, comportamentais do usuário, além de oferecer experiências em serviços.
“Procuramos priorizar ações de degustação, de acesso aos bastidores da empresa — por exemplo, já convidamos blogueiros para participar de um programa interno que chamamos de Cliente em Foco, em que os participantes acompanham um dia de campo, que envolve atividades de instalação de internet banda larga e TV, vendas, atendimento e rotina no balcão de loja”, ressalta Gama.
Outro ponto de diferença entre esses comunicadores é a questão do tempo. “O timing é primordial. Por exemplo, precisamos divulgar para as revistas mensais sempre com bastante antecedência e, quanto aos seus canais on-line, quando a informação não pode ser imediatamente divulgada, trabalhamos com embargo”, explica Fernanda, da Mary Kay.

Algumas marcas apontam que para alguns lançamentos há um trabalho específico (e em primeira mão) para esses produtores
de conteúdo

Já influenciadores, como os de tecnologia, fazem reviews e os disponibilizam para o público, ou seja, trabalham quase sempre com o “agora”. “Muitas vezes eles postam no Snap com suas primeiras impressões do produto recebido”, comenta o gerente de marketing e comunicação da Sony, Marcelo Gonçalves.

Atendimento duplo

Há ainda os casos em que um mesmo assunto consegue ser abordado e relacionado entre os ambientes tanto da mídia tradicional quanto dos influenciadores digitais.
A Samsung América Latina conseguiu, através de uma ação específica, fazer uma união de interesses. “Na campanha Launching People — Mixed Talents, nós propusemos uma competição entre jovens para encontrar soluções para inclusão digital de crianças. Os participantes foram orientados por influenciadores de quatro países latino-americanos”, detalha o vice-presidente de marketing e assuntos corporativos, Mario Laffitte, que comemora: “O resultado foi um público fortemente engajado e uma repercussão nas redes sociais e na mídia tradicional”.
O foco em cada público também está no planejamento de atuação da Malwee, de acordo com a gestora de sustentabilidade e comunicação do grupo, Taise Beduschi. “Buscamos sempre atender cada público; em função disso, muitas vezes precisamos entender qual a necessidade singular do stakeholder para, então, pensar na ação e abordagem”, conta.

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