Escalada da reputação

Basta ligar a TV, trocar a estação de rádio ou acessar a home de algum portal de notícias para sentir que o clima tem sido de turbulência

“Existem dois tipos de empresas: as que já passaram por crises e as que ainda vão passar.” A afirmação de Cristina Schachtitz, líder de engajamento corporativo e crise na agência Edelman Significa, resume o fio condutor das áreas de comunicação no mundo corporativo: a ordem é estar sempre preparado (e reciclado) para uma eventual alteração do rumo dos negócios.

Basta ligar a TV, trocar a estação de rádio ou acessar a home de algum portal de notícias para sentir que o clima tem sido de turbulência. Instituições são colocadas à prova e podem passar, em poucos instantes, por uma crise de imagem. Um panorama produzido pelo Centro de Estudos de Avaliação e Mensuração em Comunicação e Marketing (Ceacom), da ECA-USP, no final da década passada, indicava que menos de 5% das empresas monitoravam sua imagem junto ao público — o mais alarmante é o fato de que a pesquisa envolveu as 50 maiores companhias do Brasil. Mas o cenário mudou. Segundo o coordenador geral do centro, professor Mitsuru H. Yanaze, o assunto hoje recebe mais atenção no mercado, porém, alerta: “a fase do Issue Management ainda não está na pauta de grande parte das empresas”.

Segundo Mario Laffitte, da Samsung, a empresa visa a solidificação de uma imagem que vai além do varejo

O índice é “desalentador”, afirma a especialista da Edelman Significa, que ressalta um outro dado extraído da mais recente edição da pesquisa Trust Barometer, que mostra que essas empresas são as que têm maior nível de confiança junto ao público entrevistado, aqui no Brasil. “E essa confiança deveria ser valorizada”, ressalta Cristina.

Equilíbrio

Uma sólida reputação não vai impedir sua organização de sofrer com um escândalo institucional, operacional ou ético. Essa é a opinião de Mônica Ferreira, gerente geral de Relacionamento com a Imprensa e Mídias Digitais da Vale, que complementa: “mas no momento da crise, você vai utilizar essa imagem para equilibrar o cenário”. Para ela, a construção de bons resultados e um nome para a instituição pode ser comparada a uma “poupança”.

Em alguns segmentos a reputação representa um pilar crucial para o bom desempenho no mercado. “Uma empresa mal vista por seus stakeholders certamente perderá negócios e deixará de contribuir positivamente com a sociedade”, afirma Mario Laffitte, vice-presidente de Marketing e Assuntos Corporativos da Samsung América Latina. “Há alguns anos nos tornamos a maior fabricante mundial de equipamentos eletrônicos, o que nos leva a ter muita exposição, refletindo diretamente na responsabilidade que temos com funcionários, fornecedores e consumidores”, reforça. Nesse contexto, a Samsung visa a solidificação de uma imagem que vai muito além do varejo e dos números ligados ao consumo de celulares, mas a de “uma indústria comprometida com o desenvolvimento social e o investimento local”.

Carvalhaes, da ArcelorMittal: todos são embaixadores dos valores da empresa e, por consequência, de sua reputação

Fernando Café Carvalhaes, gerente geral de Relações Institucionais e sustentabilidade da ArcelorMittal no Brasil, conta que a reputação é um dos principais ativos da companhia e pontua: “no mundo da comunicação instantânea e da sociedade transparente, todos são embaixadores dos valores de uma empresa e, por sua extensão, da reputação construída ao longo de uma trajetória”. Nesse sentido, a empresa tem colhido bons frutos: na pesquisa do Reputation Institute, atingiu 71,3 pontos no índice RepTrak, que é considerado muito forte e representa a melhor posição já alcançada desde que participa do ranking.

Gaveta

Na opinião de profissionais das agências de PR, é preciso ir além do simples protocolo na prevenção de eventos que prejudiquem a imagem. Cristina, da Edelman, mostra-se preocupada com a prática de simplesmente traduzir os manuais internacionais e deixá-los imóveis no sistema ou literalmente guardados. “Já faz tempo que os planos de crise estão na gaveta. Na gaveta é o mesmo que nenhum”, comenta. O sócio-diretor da Conteúdo Comunicação, Claudio Sá, argumenta que em muitos casos a percepção da importância na gestão de crises ainda não se converteu em ações concretas.

“Somos chamados de última hora para atender casos para os quais as empresas já deveriam estar preparadas”, afirma. Um dos clientes da agência, a Marsh, empresa global de gestão de crise e corretagem de seguros, elaborou ano passado uma pesquisa em 330 empresas de 10 países da América Latina — 33 delas brasileiras. “Os resultados são espantosos: só 1 em cada 4 empresas tinha indicadores de gestão de risco em suas operações”, conta Sá, que comenta que apenas 49% declararam contar com lideranças para gerenciamento de risco. “Os números dão a dimensão da vulnerabilidade.”

Reputação sólida não impede a empresa de sofrer com um escândalo, mas equilibra o cenário em uma crise

Para suporte, Cavalieri, da RMA, aponta estrutura de monitoramento, Social Listening e plataformas tecnológicas

Tendo a reputação como foco central, a Conteúdo Comunicação foi prêmio Aberje na categoria Crises Empresariais. “Temos um time especializado em riscos reputacionais e atendemos de 20 a 30 casos por ano”, diz Sá.
Marcio Cavalieri, CEO da RMA Comunicação, aponta que tem ocorrido uma movimentação positiva das marcas. “Hoje temos uma estrutura de monitoramento e Social Listening que atua com especialistas e plataformas tecnológicas para dar suporte a nossas equipes de atendimento aos clientes”, conta.

Dados

Nortear as ações de acordo com as informações extraídas dos públicos ligados à empresa — esse é o tipo de conduta que a RMA Comunicação segue nas rotinas de prevenção de eventos negativos. “Nós trabalhamos com o conceito de Data Driven PR, portanto, ouvir continuamente o que o mercado e as pessoas estão falando sobre os clientes e temas de interesse é fundamental”, diz. O gerenciamento de crises cotidianas também é direcionado conforme a natureza dos negócios.

“Empresas que atuam com o consumidor, B2C, já têm estruturas de monitoramento e SAC 2.0, pois foram demandadas para isso”, explica Cavalieri, que cita como exemplo o aplicativo de streaming de músicas Spotify. “O atendimento deles é realizado pelo Twitter e funciona superbem.” O sócio e presidente da S/A Llorente & Cuenca, Marco Antonio Sabino, endossa que, apesar de ser o maior patrimônio, o papel da reputação muitas vezes é negligenciado. “É fundamental monitorar o índice de reputação e que, em toda reunião importante do conselho de uma companhia, esses números sejam analisados – e isso, infelizmente, não é uma realidade”, relata.

Sá, da Conteúdo Comunicação, sinaliza que muitos chamados são de última hora e o cliente já poderia estar preparado

Além de um sistema que possibilite acompanhar o cenário, Sabino acredita que deve ser feito um trabalho diário, internamente, para a construção de uma imagem sólida. “É preciso insistir na transparência com seu público interno, que é decisivo numa situação de crise e, no momento em que acontecer algo, passa a ser um defensor da companhia”, diz. Essa construção começa de dentro para fora: “Mesmo entre os melhores especialistas, é muito difícil prever todas as crises, por isso, é no dia a dia que você administra”, afirma.

Ao falar sobre as formas de mensurar a reputação, o presidente da Cunha Vaz Brasil, Luiz Fernando Moraes, observa que, devido à complexidade do tema, não é possível estabelecer uma equação única para todos. “Nas épocas pré-internet, trabalhávamos a reputação de uma marca com jornal, rádio e TV — hoje tudo está mais fluido e os momentos de crise podem surgir de um movimento não identificado”, conta o executivo, que acredita que o mercado tem amadurecido bastante nesse tema. “É mais desafiador e, também, mais recompensador.” A agência que, entre outras áreas, possui forte atuação no mercado de turismo, é a prova de que prevenção e monitoramento são ações presentes em todos os setores da economia.”É um segmento que temos de analisar o tempo todo, 24 horas por dia, para estarmos preparados para o risco de algo acontecer”, comenta Moraes.
estratégia

Boas relações com influenciadores e transparência com o público são essenciais para as empresas

Estratégia

Cristina, da Edelman Significa, cita a importância dos investimentos feitos, já que a gestão da crise custa mais que a prevenção. “Para a Braskem definimos uma estratégia de responsabilidade social alinhada ao negócio, que gerou ações mobilizadoras como o Braskem Labs, um grande laboratório nacional focado em inovação, que une empreendedorismo e utilização da química e do plástico para gerar diferentes benefícios socioambientais”, cita.

Para a empresa Aegea, há três anos a agência trabalha em um projeto integrado de comunicação, para construção e fortalecimento da reputação. “Inclui mapeamento de stakeholders em diversos segmentos para programas de engajamento, elaboração de mensagens e narrativas, aproximação com associações, relacionamento com a imprensa, além de programas de responsabilidade social corporativa”, enumera.
Cavalieri garante que não há uma fórmula pronta. “Construir um relacionamento com formadores de opinião e influenciadores é um passo importante; outro é manter um canal de comunicação transparente com o público”, afirma.

Moraes, da Cunha Vaz: tudo está mais fluido e momentos de crise podem surgir de um movimento não identificado

Exercícios

Para Gislaine Rossetti, diretora de relações Institucionais e Sustentabilidade da LATAM, existe, sim, um aprendizado que pode ser aplicado para o mundo corporativo nesses planos de emergência, para lidar com situações críticas. “A área da comunicação opera como uma ‘maestra’ que conduz o comitê de crise, que contempla equipes das áreas operacional, segurança, financeiro, jurídico, entre outras”, pontua.

Na opinião da diretora, nunca foi tão importante ter planos estruturados para saber quais os “perigos” que sua instituição corre e ressalta: não é preciso investir milhões para constituir um monitoramento básico. A LATAM, em suas rotinas internas, inclusive, chega a aplicar o termo war room (sala de guerra) para o comitê multidisciplinar imediatamente formado para cada situação que saia do cotidiano e que exija um olhar de todas as áreas. “Em nossa política está um grande trabalho de monitoramento, que funciona em paralelo com uma agenda positiva para nossos stakeholders”, comenta Gislaine, que aponta ferramentas como observação das redes sociais, notícias no setor aéreo, análises qualitativas e quantitativas desses conteúdos e atuação 24 horas dessa área.

Após a Lava Jato, a Odebrecht fez um trabalho de reconstrução de imagem. Foram criadas táticas, uma parceria com o Reputation Institute e o esforço já mostra bons resultados

“Dizemos aos nossos clientes que não basta oferecer bons produtos e serviços – o consumidor espera que as marcas demonstrem compromisso em resolver problemas”, ressalta a CEO da Burson-Marsteller no Brasil, Patrícia Ávila. A agência, além dos serviços tradicionais de comunicação integrada e gestão de crises, tem usado um modelo de Content Performance, que consiste em conteúdo relevante com distribuição inteligente, baseado em análise de dados. “Uma marca não é o que eu digo que é, e sim aquilo que pensam dela”, diz. Com o objetivo de fortalecer uma cultura de prevenção de crises, a agência se preocupa na multiplicação desses conceitos. “Buscamos, sempre deixar como legado não somente manuais, comitês de crise e comunicados, mas sim um novo mindset na liderança, cuja principal missão precisa ser sempre a prevenção”, complementa a CEO.

Lyra conta que a Odebrecht criou um plano de reconstrução de reputação. O primeiro passo? Reconhecer o erro

Fortalecimento

Após seguidas exposições negativas na mídia, motivadas pelas investigações da Operação Lava Jato, da Polícia Federal, a Odebrecht teve de colocar em ação uma intensa logística de gerenciamento de crise.
“Criamos um plano para a reconstrução de nossa reputação e o primeiro passo foi fazer o dever de casa: reconhecer o erro, pedir desculpas e assumir o compromisso de agir sempre com ética e integridade”, explica Marcelo Lyra, responsável por comunicação da Odebrecht S.A., que ressalta: “O segundo passo foi adotar, em matéria de governança, o que há de mais avançado no mundo corporativo”. O porta-voz da área de comunicação conta que foram definidas mensagens-chave, feitos mapeamentos de stakeholders prioritários e criação de estratégias de relacionamento para apresentar as transformações propostas.

No segundo semestre do ano passado, a Odebrecht implementou às suas ferramentas de acompanhamento de imagem e gestão de crise o monitoramento da reputação. O órgão que auxilia a companhia nesta etapa também é o Reputation Institute, que está presente em 40 países e, juntos, passaram a realizar um levantamento mensal em determinados setores da sociedade, com metodologia que avalia a imagem corporativa sob duas perspectivas: uma emocional e outra racional.

Além de ferramentas internas, ações pioneiras de monitoramento e inspeção de operações utilizam desde smartphones até drones ­— e vêm resultando em ganhos de gestão

Os esforços já exibem seus primeiros resultados. Segundo Olga Pontes, da governança da empresa, uma pesquisa conduzida pelo Reputation Institute, em outubro de 2016, teve a participação de 7,9 mil integrantes e foi a primeira consulta ao público interno, em que um questionário reuniu 27 indicadores alinhados à cultura e ao propósito do Grupo Odebrecht. “O índice ponderado da reputação entre os integrantes foi de 63 pontos, considerado mediano e positivo em relação ao contexto daquele momento”, afirma.

Solange Guimarães, da SulAmérica: alinhamento, capacitação e treinamento estão no radar da empresa

Inovação

No desafio diário de manter uma imagem sólida perante os stakeholders, grandes empresas como a Gerdau dividem suas experiências em boas práticas. “Por ter 116 anos de história, a companhia sempre se reinventa e, em paralelo aos valores que são imutáveis, vem desenvolvendo forte programa de inovação, modernizando sua cultura e estabelecendo mais simplicidade e agilidade em todos os seus processos e comportamentos”, ressalta Renato Gasparetto, diretor corporativo de Assuntos Institucionais, Comunicação e Responsabilidade Social.

Dentre as ações, ele comenta o pioneirismo, inclusive em âmbito internacional, no uso de ferramentas e tecnologias digitais. “Isso engloba desde a utilização de smartphones em processos de produção, até drones para monitoramento e inspeção de operações, que vêm resultando em ganhos de gestão”, diz.

Capacitação e treinamento estão no radar da SulAmérica, como salienta Solange Guimarães, superintendente de Comunicação Institucional. “A companhia promove o frequente alinhamento interno em relação às estratégias de negócios, aos valores organizacionais, à qualidade esperada no atendimento ao cliente e à própria política de comunicação institucional”, cita.

Para Yaroslav Memrava, da Aegea, é preciso haver uma avaliação para investimento na área de gestão de crise

Dentre os eventos focados na multiplicação desse tema estão treinamentos internos sobre a política de comunicação da companhia – em 2016 foram capacitadas 12 turmas; também está o Café com a Liderança, que são encontros abertos entre executivos e colaboradores. “Há, ainda, a série de vídeos trimestrais na intranet nos quais o presidente da companhia explica os resultados financeiros obtidos e as metas para o próximo período”, conta.

Já a G&A Comunicação Corporativa lançou no mercado um novo produto, voltado ao gerenciamento de crises. O CR-359 é fruto de uma parceria com o Instituto Marca & Reputação (IMR) e tem como objetivo não apenas a avaliação do capital reputacional (daí a sigla CR), mas também efetuar o planejamento e a execução prática dessas propostas. “Era muito comum encontrarmos clientes que haviam feito levantamentos no passado e que simplesmente não aproveitavam o material que já havia sido apresentado na casa”, fala a sócia-presidente da G&A, Laís Guarizzi.

“E quando uma agência de comunicação era contratada para realizar esse tipo de trabalho, muitas vezes, tinha de começar tudo desde o início, novamente”, diz. A proposta do CR-359, explica a diretora, é unir o que as duas empresas fazem de melhor, realizar o mapeamento da reputação, identificar os possíveis gaps e, principalmente, implantar o que é preciso fazer para atender a essas demandas.

Laís, da G&A, conta que a agência lançou o CR-359, produto voltado para o gerenciamento de crises

Orçamento

Em tempos de redução de custos, como convencer os gestores a direcionar investimentos para construção da reputação e prevenção de crises e não apenas para marketing? Para Filipe Xavier, líder de Comunicação com a Imprensa da General Electric (GE) do Brasil, nos dias de hoje, trata-se de um ponto de vista que já está muito claro para a gestão. “Empresas que são referência no mercado estão cientes do papel estratégico desse setor.”

Xavier também classifica a comunicação como uma “guardiã dos temas críticos” para ressaltar a sua função essencial na contenção de um episódio de crise. “Partem da área os alertas ou necessidades pontuais para o tratamento adequado de caso, prezando pela agilidade, transparência e clareza”, diz.

Yaroslav Memrava, líder de Relações com Investidores, Planejamento Financeiro e Relações Públicas da Aegea, entende uma clara delimitação entre as duas áreas, com investimentos que não se contrapõem. “Trata-se de uma decisão administrativa, que deve considerar variáveis distintas, verificando o momento, os riscos e os potenciais de cada mercado”, explica o especialista.

A empresa destaca a importância de ter foco em determinadas áreas em meio a um cenário de crises e instabilidade. “Investimos no aprimoramento dos serviços e na melhoria de processos, como forma de aumentar sua competitividade no mercado de saneamento básico, construir boa percepção dos serviços ofertados pelos públicos com quem interage e, também, prevenir contra eventuais situações-problema”, afirma.

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