“Nunca se deve deixar prosseguir uma crise para escapar a uma guerra, mesmo porque dela não se foge, mas, apenas, se adia para desvantagem própria” — o famoso trecho da obra O príncipe, de Nicolau Maquiavel, de 1532, nunca esteve tão contemporâneo ante a realidade enfrentada pelas equipes de comunicação na gestão de crises. Como é o caso da Petrobras, que teve seu nome envolvido em uma série de pautas do noticiário político-econômico. “Nós sempre atendemos a um grande número de demandas da imprensa, mas, nos dois últimos anos, o número de matérias publicadas sobre a companhia aumentou muito, chegando a mais de 20 mil por mês”, relata Marcos Ramos, gerente setorial de imprensa da Petrobras.
A empresa é bastante requisitada, não apenas em temas relacionados a economia e energia, mas também pela imprensa esportiva, cultural e de responsabilidade social, entre outras — atualmente, são mais de 22 mil jornalistas cadastrados na Agência Petrobras. “A assessoria da Petrobras funciona com o conceito de agência de notícias, o que inclui o atendimento 24 horas por dia a veículos regionais, nacionais e internacionais e a sala de imprensa Agência Petrobras, site onde os jornalistas encontram conteúdos exclusivos, textos, áudios, vídeos, fotos e transmissão ao vivo de coletivas”, ressalta Ramos.
A adversidade não comprometeu a comunicação da companhia, tanto que os jornalistas a elegeram pelo sexto ano consecutivo como vencedora do Prêmio Empresas que Melhor se Comunicam com Jornalistas. E a Petrobras não está sozinha nessa jornada. Departamentos de comunicação de empresas envolvidas, direta ou indiretamente, em ocorrências de crise tiveram de encarar de frente as situações para atender aos questionamentos e continuar a desenvolver um trabalho de informação, driblando a pressão e conquistando o reconhecimento da premiação junto ao mercado.
Sociedade
Limitações de informações são compreendidas pela imprensa, quando a organização tem um histórico de bom relacionamento e seriedade no trato às demandas
Em novembro de 2015, o Brasil vivenciou seu maior desastre do setor de mineração com o rompimento de uma barragem da empresa Samarco, na cidade de Mariana, Minas Gerais. A mineradora é controlada pela brasileira Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton. Como explica a gerente geral de relacionamento com a imprensa e mídias digitais, Mônica Ferreira, a condução do caso ficou a cargo da Samarco, tendo o apoio da Vale e BHP. “Não foi uma situação trivial, foi um caso inédito e, apesar de oferecermos ajuda e haver um compartilhamento de informações, nossa postura foi de apoio, não de liderança da crise”, conta. No dia a dia, a Vale possui um comitê de crise que não é engessado, como define a gerente.
“Ele é ágil, simples, pode envolver algumas áreas, como assessoria de imprensa, segurança, jurídica ou muitas outras, dependendo do caso. O importante é que a tomada de decisão seja rápida”, garante. Uma das características de comunicação que seriam motivadas pela ampla e complexa atuação da empresa é a opção por investir em uma equipe própria e especializada para cada tema. “A comunicação da Vale atende a veículos do mundo inteiro, do Financial Times a jornais do interior do Brasil, cada um com um perfil próprio, e para todos temos o mesmo compromisso: agilidade e qualidade da informação”, conta.
Reflexos
Uma situação como a ocorrida em Mariana acaba por mudar os holofotes de toda a sociedade para o tema da mineração. O setor passa a atuar, automaticamente, na resolução de dúvidas e na tomada de posicionamento diante de tantas solicitações.
Esse posicionamento é fundamental, como explica a gerente de comunicação da Anglo American, Mariana Rosa. “Estamos sempre abertos para esclarecer possíveis dúvidas que possam surgir, contribuindo para desmistificar os temas relacionados ao setor de mineração, e buscamos responder aos questionamentos recebidos pela imprensa com informações de qualidade, pautados pelo diálogo e transparência.”
No escopo da comunicação da empresa, há espaço para ações de prevenção, o que permite identificar possíveis vulnerabilidades. “Nossa área realiza revisões e atualizações periódicas dos planos de crise, participamos de capacitações e estamos alinhados com as mais modernas técnicas.”
Pesquisas e inovações também podem constituir uma ferramenta eficiente nos processos de gerenciamento de crises. Como explica a head de comunicação corporativa da Votorantim Metais, Camila de Oliveira Dias Marquesin, o desenvolvimento de um sistema de empilhamento a seco para o depósito do estéril da operação foi divulgado à imprensa. “O objetivo da empresa é não ter mais o uso de barragens e os futuros projetos de mineração da companhia já deverão adotar esse sistema, que já é utilizado em operações da empresa no Peru”, afirma.
Camila conta que houve um aumento no interesse dos jornalistas especializados sobre esse tema no último ano. “Nos prontificamos, assim como outras empresas mineradoras, a mostrar iniciativas sustentáveis do setor”, diz.
Janaina Donas, diretora de relações governamentais e comunicação da Alcoa, reforça a visão e aponta que nos momentos delicados a transparência é fundamental. “A empresa tem se colocado à disposição para prestar esclarecimentos sobre toda e qualquer dúvida a respeito das nossas práticas e processos”, afirma.
Recursos
Carlos Alencar, coordenador da assessoria de imprensa da Sabesp, conta que o segredo para lidar com a pressão, sobretudo durante a crise hídrica, que amplificou o interesse pelo assunto água, foi o espírito público, ou seja, colocar os interesses da comunidade acima de interesses pessoais ou de empresas. “Por lidar com um tema sensível para a população, como é o abastecimento de água, a assessoria soube entender que a cobertura maciça da imprensa se justificava e se desdobrou para atender da melhor forma possível. Não importando o horário do dia ou da noite”, conta. A Sabesp é responsável pelo abastecimento de mais de 28 milhões de pessoas em 366 municípios operados no Estado de São Paulo. “Conviver com imprevistos, que despertam o interesse da imprensa, faz parte para uma companhia, cuja rede de água e esgoto dá três vezes a volta na Terra e, logo, está previsto em sua rotina administrar adversidades”, afirma Alencar.
O setor de energia elétrica é outro que foi afetado justamente em decorrência da crise hídrica e, por ser um tema complexo, a abordagem para pautas que não sejam positivas é natural. “Fazemos parte de um setor regulado, com modelo que segue diretrizes governamentais e acompanhado por uma agência reguladora; os agentes se misturam mas, na percepção do consumidor, a relação dele é com a concessionária de energia”, explica Jordana Garcia, gerente corporativa de comunicação e marketing do Grupo Energisa. Segundo a gerente, a comunicação da companhia atua principalmente no esclarecimento sobre o setor e quais os papéis do grupo, além de adotar uma postura transparente para todas as abordagens de comunicação.
Relacionamento
Em um ano em que foram numerosos os escândalos envolvendo personagens na política e economia, o gerente geral da unidade de assessoria de imprensa do Banco do Brasil, Omar Barreto Lopes, pontua: “A mídia lida com o contraditório, com os conflitos e, portanto, jamais vai trazer zonas de conforto para as empresas; é papel da imprensa questionar, contestar, expor ao máximo os diferentes discursos que se constroem sobre os fatos”.
O gerente acredita que há, por parte dos profissionais da comunicação, um reconhecimento ao trabalho atencioso mesmo que, “por uma série de contingências, a opção da empresa seja até a de não se posicionar”. Para Lopes, mesmo essas limitações são compreendidas pela imprensa, quando a organização tem um histórico de bom relacionamento e seriedade no trato às demandas.
A Monsanto no Brasil se prepara também, diariamente, para fornecer posicionamentos às pautas — positivas ou negativas. “Vivemos um novo momento comunicacional no país e no mundo, e isso reflete em nossas ações”, explica a líder de relações com a imprensa e gerenciamento de crises, Catharina Pires. Para ela, a principal estratégia é fornecer informações com agilidade e transparência, buscando o entendimento dos colegas da imprensa. “Nosso objetivo é sempre evitarmos as crises e nos anteciparmos ao máximo, mas quando isso não é possível, temos um time dedicado na mitigação dos impactos”, diz.