Reputação não é algo que se constrói do dia para a noite – demanda tempo e bom relacionamento com todos os stakeholders: consumidores, fornecedores, colaboradores e acionistas, mostrando coerência entre o que se fala e o que se faz. Mas, destruí-la pode levar segundos. Warren Buffett, investidor e filantropo americano, declarou certa vez que se alguém perdesse dólares para a sua empresa, ele seria compreensivo, mas se afetasse a reputação da corporação, seria implacável. Isso porque recuperar a imagem positiva é um árduo trabalho. A Odebrecht, maior empreiteira do Brasil, que já construiu hidrelétricas, linhas de metrô e submarinos, empregando em 2015 mais de 75 mil pessoas, viu sua imagem despencar após a investigação da Lava Jato. O pagamento de propina para obras em 12 países e para centenas de políticos fez a empresa ficar conhecida – negativamente – em todo o mundo. E abalou a gestão. Em 2018, o número de funcionários caiu para cerca de 22 mil e o faturamento, que em 2015 foi de 17 milhões de dólares, em junho de 2018 estava em 2,5 milhões de dólares. Agora, a companhia se empenha para arrumar a casa. E, ao que tudo indica, o trabalho, pautado em uma estratégia robusta de comunicação, tem dado certo. No auge da crise, a reputação da empresa, medida pelo Reputation Institute, consultoria especializada em gestão de reputação, chegou a 16,9 pontos. Hoje, na percepção de seus stakeholders, a companhia já alcança 51 pontos. “A reputação é fator de sobrevivência de qualquer negócio. Quem tem segue em frente, cresce e se perpetua. Quem não tem morre – porque ela determina as escolhas das pessoas – quem não é escolhido perde a razão de existir”. Diz Márcio Polidoro, diretor de comunicação da Oderbrecht. Segundo ele, o maior desafio é recuperar a confiança em todos os campos de atuação e níveis de relacionamento. E a comunicação tem um papel crucial nessa recuperação. Em entrevista a seguir, Polidoro detalha como a área tem trabalhado, os desafios dessa jornada e a relação com os jornalistas.
A Odebrecht, assim como outras companhias brasileiras, foi diretamente atingida pela operação Lava Jato, o que afetou diretamente sua reputação. Qual o trabalho da área de comunicação para recuperar sua imagem no mercado?
Márcio Polidoro: O trabalho da equipe de comunicação se dá em três frentes: na parcela da sociedade em que a reputação e a confiança foram preservadas – precisamos potencializar; na que foi danificada – reparar; e na que foi destruída – reconstruir, com o propósito de resgatar os direitos de sermos ouvidos, de existir, de conviver e de sonhar. Nesse contexto, as estratégias priorizam ações nos âmbitos da comunicação interna, porque temos a convicção de que os integrantes da Odebrecht continuam sendo os principais agentes de nossa retomada; do relacionamento com a mídia, para conseguirmos alcançar novos patamares de respeito; da comunicação direta com a sociedade, por meios digitais, para reconquistarmos presença ativa nos diálogos sobre tudo que nos diga respeito; e da gestão dos riscos de reputação e imagem, em uma perspectiva preventiva – porque é sempre melhor administrar os riscos do que as crises.
Quais os principais desafios de tocar a área de comunicação de uma empresa que passou da maior empreiteira da América Latina para um negócio com a imagem arranhada?
O principal desafio é recuperar a confiança em todos os campos de atuação e níveis de relacionamento. Todo o resto será consequência. Isso, sem dúvida, foi o atributo mais afetado pela crise que enfrentamos. A comunicação está tendo um papel crucial nessa recuperação, que, felizmente, está acontecendo em velocidade acima da esperada, conforme pudemos constatar em duas pesquisas que realizamos. Segundo o instituto Reputation Institute, a reputação da marca Odebrecht vinculada ao Grupoempresarial chegou a 16,9 pontos no auge da crise, em 2015. No final de 2018 realizamos outra pesquisa multistakeholders da Odebrecht Engenharia & Construção e já atingimos 51 pontos. Ainda há muito a ser feito, mas estamos no caminho certo.
As denúncias, além de comprometerem a imagem da empresa no mercado, possivelmente afetaram os processos de atração e retenção de talentos. O que a área de comunicação tem feito nesse sentido? O setor pode ser um agente de engajamento?
As pessoas podem decidir ficar ou ir embora. Mas cabe a nós mostrar que há um futuro – de preferência positivo. Porque se as visões, em médio e longo prazos, forem negativas, a maioria vai achar que não há lugar e é hora de buscar outro rumo. É preciso, assim, fornecer informação com transparência. Isso não quer dizer mistificar a situação ou contar inverdades; quer dizer mostrar, claramente, a situação e as medidas que estão sendo tomadas para revertê-las. Isso significa falar de todos os passos que estão sendo dados: medidas e providências de gestão, qual o direcionamento e visão estratégica da empresa, e como está sendo feita a gestão financeira. O trabalho da área de comunicação é mostrar aos funcionários que a empresa está trabalhando para melhorar os processos. Quando se passa por uma crise tudo deve ser compartilhado. É isso que dá às pessoas a segurança (e a vontade) de ficar. Mas, curiosamente, isso não abalou nossos programas de estágio. Para o estágio de férias de dezembro, janeiro e fevereiro tivemos 30 mil candidatos para 30 vagas.
Acredita que a Odebrecht voltará a ser vista como uma empresa responsável?
O desafio é muito grande, mas acredito que sim. Dizer apenas que mudamos não basta, precisamos provar. E isso é muito difícil. A prova não é do lícito, é sempre do ilícito. É complicado provar que você não fez nada errado. Imagine pegar um carro e dirigir por 500 quilômetros e, ao final, não cometer nenhuma infração de trânsito. Dificilmente é possível comprovar isso. Você só tem como atestar o que cometeu. Um sinal que mostra que estamos no caminho certo é a reputação registrada em pesquisas. Atingimos 51 pontos, ficando apenas dois pontos abaixo do setor. Mas isso levou quatro anos.
Então o trabalho tem surtido efeito. Em quanto tempo você acredita que a reputação da empresa estará totalmente restabelecida?
Sim. Perante os stakeholders estamos retomando a posição de prestígio no mercado. Acredito que em quatro anos, sem dúvida nenhuma, estaremos no mesmo patamar que estávamos em 2014, quando éramos uma das empresas mais respeitadas do Brasil.
Mas como está a relação da companhia com o empresariado Brasileiro? As companhias ainda têm restrições em ter a marca Odebrecht em seus projetos?
É inevitável que ainda haja restrição. Mas isso não está associado diretamente a dúvidas sobre o nosso comportamento, qualificação ou capacidade de entrega. Está vinculado ao efeito que causa em relação à sociedade ou a terceiros. Ainda há muitos elementos negativos no imaginário das pessoas. O que acontece é ouvirmos “eu sei quem são vocês, o quanto mudaram e de toda a competência, mas quem passa na frente da obra e vê o nome da empresa ainda tem restrição”.
Como estão trabalhando para mudar esse quadro?
Esse é um ponto que ainda precisamos melhorar. Nosso passado recente ainda causa receios à sociedade. Precisamos, aos poucos, por meio de muita comunicação e eficiência, mudar esse imaginário negativo. Em julho de 2017, por exemplo, fizemos um estudo para analisar nossas mídias sociais – Facebook, Instagram, Twitter, WhatsApp e YouTube – e constatamos que 98% das mensagens associadas à Odebrecht eram negativas, de detratores. Tenho certeza de que isso melhorou, mas ainda existe essa imagem ruim. Nossa presença na grande mídia, principalmente televisão e rádio, foi muito pesada. E isso não é fácil apagar.
Nesse sentido, que ações a área de comunicação tem tomado?
Estamos trabalhando muito na comunicação digital, principalmente no Facebook e Twitter, para conversar diretamente com a sociedade. Hoje, há posts que atingem até quatro milhões de pessoas. O último comunicado do presidente, por exemplo, em que ele falou sobre o planejamento dos próximos meses e reforçou a mensagem que a empresa quer passar, foi replicado em todas as redes sociais. Além disso, estamos trabalhando para dar voz às pessoas da companhia, sem aquele script de comunicado formal. Um representante da empresa pode gravar um vídeo no YouTube ou no Facebook, como falaria em sua casa, com muito mais empatia, e replicar.
No auge da crise as demandas dos jornalistas deviam ser diárias. Como ficou esse relacionamento? Algo mudou?
Nosso relacionamento com a imprensa sempre foi bom. Aqui jornalista não tem “não”. Sempre damos um jeito de atendê-los. O que aconteceu é que a organização virou um protagonista extremamente importante de uma séria crise política e econômica, e não estava preparada para administrar a situação. Foi um momento conflituoso, mas que nos permitiu aprender muito. Percebemos o quanto estávamos despreparados e compreendemos que a imprensa pode ser uma aliada, podendo nos dar voz. Sempre em uma relação de respeito.
E como tem sido o papel da área de comunicação para preparar as principais lideranças não só para falar com a imprensa, mas também para falar com a própria equipe?
O de educador: de influenciar e ensinar a liderança a transmitir as informações da melhor maneira à imprensa, mostrando a importância da mídia e como está a comunicação nos tempos atuais. Isso significa treiná-la para conseguir analisar tendências, para saber o que dizer e o que deve ser evitado. Antes de algum executivo fazer uma entrevista, por exemplo, ele se qualifica à altura da demanda que vai enfrentar com o jornalista. Isso é feito sistematicamente. E os executivos estão muito mais aptos – e dispostos – a fazer isso hoje. Lembro que quando cheguei à empresa, há 30 anos, falaram que o meu trabalho era “tirar a Odebrecht da mídia”. E isso durou por muito tempo. Não havia valorização do papel estratégico do profissional de comunicação. O Marcelo Odebrecht por exemplo, durante um certo período não teve um executivo dessa área ao lado. Era presidente da companhia e não identificava a comunicação como fundamental em sua estrutura, que tinha três vice- -presidentes, um jurídico, um financeiro e gestor de pessoas. E isso mudou totalmente. Percebeu-se que a sensibilidade, a percepção e o conhecimento específico do profissional de comunicação na hora da crise são essenciais.
Quais os desafios de lidar com o tema de comunicação nos outros países?
Para mim tem sido um trabalho interessante e de muito aprendizado. Não temos um modelo global de imprensa hoje. Cada país desenvolve o seu, com características e complexidades distintas. O ambiente de jornalismo na América Latina é diferente do da América Central, que é diferente do Brasil. Acredito que o maior desafio é a velocidade da disseminação da informação. É impressionante estar em uma cidade do interior do Peru, numa ilha depois da cordilheira dos Andes, quase lá na Amazônia, e receber em pouco tempo uma notícia do Brasil. Esse foi o grande desafio que enfrentei: estava lá e trabalhando para outros países, tendo de acompanhar tudo o que acontecia aqui no Brasil no meio da Lava Jato.
E não adianta imaginar modelos centralizados de ação de comunicação junto à mídia, pois cada país tem o seu. No Panamá, por exemplo, o Twitter é a rede principal. Todas as pessoas falam por lá: líderes empresariais, políticos, judiciário, jornalistas. Se formos para outro país, certamente o foco estará em outra rede. Assim, vivemos um paradoxo. Ao mesmo tempo que a comunicação se globaliza pela disponibilidade dos meios tecnológicos de informação, mais se torna local pelas características que cada ambiente possui. Uma medida que tomei quando tocava a comunicação da AL foi ter um responsável local. Porque quem compreende o fenômeno da comunicação em cada país é quem vive lá.
Desde a crise até aqui, quais etapas já foram vencidas e o que ainda precisa ser feito para o resgate da reputação?
A trajetória de reconstrução da reputação da empresa foi muito bem desenhada. O primeiro passo era resgatar o direito de falar e de ser ouvido. O segundo movimento, mais na frente, era o direito de existir. Nós temos o direito de existir e, hoje, o asseguramos por meio dos acordos de leniência, pelos novos contratos e pela conquista de nosso espaço. O terceiro é o de retomar o lugar que sempre nos pertenceu. Até como uma forma de respeito a quem veio antes de nós e a todos os funcionários que dependem da organização. Então, o dia em que isso acontecer, finalizamos essa trajetória. Dr. Norberto Odebrecht tinha uma frase muito interessante. Ele dizia: “Tudo na vida tem um começo, um meio e um fim que dá início ao recomeço”. Segundo ele, as empresas não morrem, elas envelhecem, e precisam se preparar para recomeçar a sua história com as novas gerações… Nós estamos chegando ao momento do recomeço.