Não gostei, não sigo mais

Não apenas de curtidas se alimenta a internet

Não apenas de curtidas se alimenta a internet. Quem se aventura um pouco pela redes e portais sabe que a seção de comentários pode compor uma verdadeira carnificina em boa parte das vezes — mesmo em artigos e fatos positivos, sempre há alguém para criticar e espalhar ódio. “Na década de 1950, ‘haters’ quebravam os vinis de Elvis Presley nas rádios americanas – se a tecnologia estivesse presente naquela época, certamente eles usariam a internet para encontrar outros colegas ‘haters’ que poderiam contribuir com a causa”, analisa Luis Joly, diretor de atendimento nas áreas de PR & Influência na Ogilvy.

Se a tecnologia deu nova forma ao termo, o conceito de bullying permanece. Como explica Daltro Martins, diretor Digital do Grupo RMA. “Se buscarmos, a tradução literal refere-se às pessoas que odeiam algo ou alguém, mas isso não ocorre somente na internet; o meio da comunicação digital tornou o ato de xingar mais frequente e viral, ou seja, o que mudou foi o cenário, por meio dos avanços tecnológicos.” O comentário ofensivo que, muitas vezes, se “alimenta” do suposto anonimato da rede não usa filtros, modos e motiva a máxima: “se você tem muitos haters, está fazendo alguma coisa certa”.

E é motivo de preocupação dos gestores de comunicação. A interação não pode ser ignorada, mas não possui uma cartilha fechada de procedimentos, por isso cada empresa tem na lida diária construído à sua maneira uma forma de lidar com os fãs às avessas.

RELAÇÃO
De acordo com o estudo Edelman Trust Barometer 2017 — que mede o índice de confiança das pessoas nas instituições Governo, Empresas, Mídia e ONGs em 28 países — a pirâmide de influência se inverteu. Segundo a gerente sênior de Estratégia Digital na Edelman Significa, Paula Nadal, “as pessoas comuns têm cada vez mais voz e são as principais detentoras da confiança dos seus pares, por isso, os discursos das marcas, de forma alguma, podem estar desconectados de suas atitudes, estratégias e resultados”.

Para traduzir em números, em meados de 2017, segundo dados da própria empresa, o Facebook possuía mais de 2,07 bilhões de usuários — e cinco novos perfis são criados a cada segundo. Isso para citar apenas uma das redes sociais globalmente difundidas. Com tantos observadores e “fiscais”, fica impossível agradar a todos quanto mais mascarar qualquer erro. Paula compara o ambiente empresarial a uma glass box caixa de vidro], onde os processos podem ser vistos e as falhas, facilmente mapeadas. “Argumentos falsos são desmontados em segundos nas redes”, diz.

Rodrigo Pinotti, diretor-geral da JeffreyGroup, aponta que é necessário que o departamento de comunicação de qualquer empresa tenha consciência da presença dos haters — e que a companhia jamais deixe de desenvolver projetos com medo de ficar exposta a esses públicos. “Uma vez que o negócio inicia uma página, um perfil, você está aberto para qualquer tipo de conversa – e tem de aceitar isso”, diz.

Diferentemente das organizações que trabalham o B2B, que costumam ter menor incidência desses críticos, as empresas que lidam diretamente com o consumidor final têm uma relação mais intensa com o público. Para o diretor, cada vez mais, não há como manter uma área digital que só é acionada cada vez que um hater levanta determinada questão. “Hoje, não há como fazer um plano de comunicação sem considerar essas partes juntas – é mais fácil manter um discurso unificado”, explica. Em alguns casos, Pinotti aponta que sequer um diálogo poderá ser mantido, sendo o indicado lidar com o hater de forma protocolar e austera.

Por apresentar campanhas absolutamente inclusivas, a Avon tem sido alvo constante de reações de determinados grupos. “Procuramos entender essas reações e lidar com elas da mesma forma com que tratamos todas as mensagens que passamos para nossos públicos de contato: com transparência e verdades – a companhia possui valores e crenças e estabelece que sua mensagem está baseada nesses valores e crenças”, explica Hélio Muniz, diretor de Comunicação da marca. Para lidar com essas situações, Muniz reforça que toda comunicação começa dentro da empresa. “O funcionário é o stakeholder marco zero. É com ele que começamos o diálogo e é a partir dele que difundimos nossas mensagens”, afirma. E nos casos em que a comunicação pode gerar efervescências, ele ressalta que é essencial que o colaborador esteja muito bem informado e preparado para ser um veículo da companhia.

Marcelo Behar, diretor de Assuntos Corporativos da Natura, explica que a companhia também prima pelo relacionamento e a comunicação fortalece os laços com os principais públicos. “Nos preparamos para responder todos os comentários e mensagens recebidos em todos os nossos canais, sempre de forma plural, acolhendo diferentes pontos de vista, sem abdicar da defesa de nossos valores”, ressalta Behar. “Valorizamos a diversidade, a inclusão e o respeito ao outro, e procuramos tornar esse posicionamento transparente em nossa comunicação com qualquer interlocutor, em qualquer meio”, afirma.

A pluralidade também faz parte das campanhas da Coca-Cola, uma das marcas pioneiras em falar de diversidade e inclusão — e mesmo a popularidade mundial que possui não a exime dos “ataques”. “Entendemos que faz parte: inclusive, há pesquisas que afirmam que a maior parte das pessoas que comentam em redes sociais é para criticar negativamente”, diz Luis Felipe Schmidt, gerente de Comunicação da Coca-Cola Brasil. O executivo conta que a companhia está disposta a ouvir as críticas e as levar em consideração. “Temos todo o cuidado de entender a percepção das pessoas e responder de forma clara e objetiva”, afirma. A cada novo lançamento de campanha, a comunicação da Coca-Cola analisa os pontos que podem gerar comentários negativos e uma equipe, munida de informações, é preparada para lidar da melhor forma com os comentários que vão surgir. Na visão de Schmidt, a orientação é que todas as demandas sejam atendidas, sem distinção. “Estamos constantemente buscando a excelência no relacionamento — conversando, construímos a melhor solução, buscamos a transparência, mantemos a confiança e elevamos a satisfação”, comenta.

As empresas precisam se preparar para os feedbacks antes de colocar em prática qualquer investimento

PLANEJAMENTO
As agências têm papel importante no processo de tomadas de decisões por parte das empresas. “As empresas precisam se preparar para os feedbacks antes de colocar em prática qualquer investimento, principalmente quando se trata dos riscos que surgem com o retorno negativo”, pontua Daltro Martins, da RMA. Paula Nadal, da Edelman Significa, reforça a importância do mapeamento de temas de interesses sensíveis e quais as estratégias de diálogo com as diferentes audiências. “Traçamos o tom de voz, treinamos os times envolvidos e criamos processos”, diz. No âmbito de processos está uma grande tendência apontada em diversas previsões para o ano de 2018: a ação de bots. “A automação é um recurso precioso para ganharmos velocidade e eficiência na resolução de questões simples e na prestação de serviços, enquanto os ‘humanos’ podem cuidar dos diálogos e atitudes transformadoras, e que gerem impacto para marcas e para a sociedade”, explica.

A Latam Airlines Brasil avalia que o objetivo é conduzir e tratar todas as interações com o cliente com dedicação e assertividade, para que os posicionamentos sejam realmente conclusivos e claros. “Controlamos em tempo real os comentários e também os requerimentos, para que as demandas sejam resolvidas dentro dos prazos estabelecidos”, reforça. A empresa diz que o comportamento do público também reflete as mudanças e os desafios da sociedade. “É perceptível que as interações dos consumidores, principalmente pelas redes sociais, obrigam a companhia a ser ao mesmo tempo mais transparente e mais resiliente.” Independentemente do canal que o consumidor procura, a Latam capacita seus colaboradores para que possam atender e manter o mesmo padrão. “Assegurando assim mais agilidade, dinamismo e, consequentemente, transversalidade com outros canais dentro da empresa; desafiando-nos a entregar um serviço de alta performance e cada vez mais rápido e acessível”, conclui.

CONTEÚDO
O poder dos comentários e das campanhas on-line tem seus frutos positivos, no entanto o “medo” da audiência pode se refletir de maneira negativa no compromisso com a informação. Como principal indício desse novo momento, mais social e interativo, está o papel da audiência na condução diária dos veículos de mídia. “Nos últimos anos, a redação tem voltado mais a atenção para a opinião e interação dos leitores – e eles são nossa preocupação, tudo que é feito é para atender a suas necessidades”, aponta Bruno Rosa, jornalista especialista na cobertura de petróleo e gás em O Globo. As redes, principal entrada de visualização dos portais, estão muito ligadas ao consumo de entretenimento e não de notícias. “A questão é a credibilidade da notícia, nada vai substituir as empresas tradicionais de comunicação no que diz respeito à segurança e à checagem de fatos”, pontua Rosa, que acredita que, independentemente da plataforma, a confiabilidade sempre será a norteadora do consumo das informações.

A transposição de linguagens também favoreceu o relacionamento com os leitores segmentados, como no caso da revista O Papel. “As editorias foram adaptadas e passamos a utilizar diversos colunistas especialistas, de renome, que pegam os conceitos e oferecem uma análise ao leitor”, explica Patrícia Capo, editora da publicação. Para agradar a audiência, as matérias têm ganhado formas diferentes do modelo escrito em uma página de jornal. “Hoje é possível contar essa história através de um vídeo, um infográfico – esse é o futuro, sem volta”, diz Rosa. Recursos da nova era do jornalismo digital têm influenciado veículos que buscam a inserção de modelos com grande penetração em notícias aos diversos públicos, como Buzzfeed – tanto em sua versão original, quanto nas noticiosas Buzzfeed News –, os canais da VICE Media ao redor do mundo e outras plataformas como AJ+ (ajplus), canal de notícias com foco on-line da rede Al Jazeera e, também, o norte-americano Now This News.

Bruno Micali, do Baixaki e Tecmundo, aponta que as pessoas estão em um momento de mudança nos hábitos e na forma de consumir conteúdo. “O mundo é muito mais ‘visual’ do que textual, e os novos formatos são determinados não por nós, e sim pelos leitores – eles criam essa demanda que faz o jornalista adotar novas plataformas, novas linguagens e novas ferramentas”, diz. Na rotina de produção de conteúdos para o Tecmundo, há tempos são utilizados recursos como a linguagem acessível, feita para as massas, uso de jargões, expressões e interjeições. Não à toa, detém mais de 6 milhões de curtidas no Facebook e utiliza memes, vídeos e outros recursos de engajamento necessários para humanizar o trabalho do jornalista e dar uma imagem não corporativa a ele. A participação do público é uma constante. Ao término de cada matéria, o leitor pode enviar sugestões de colaboração, que são submetidas a uma avaliação da equipe do site – se aprovadas, a contribuição é estampada na publicação. No entanto, ele garante que, apesar da leveza, é preciso ter em mente as diretrizes fundamentais para compor um bom jornalismo – “ou há o risco de haver um conteúdo menos ‘curado’ em função dessa abrangência de plataformas”, complementa. Afinal, é impossível evitar comentários negativos, e seja veículo, empresa ou marca, o fundamental é não abrir mão dos valores e do compromisso com a livre comunicação.

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